Paulo
e Marcelo nomes fictícios trabalham na Prefeitura de Santos há 10 meses. Eles
foram contratados em caráter de emergência porque exercem funções técnicas
específicas. Nunca assinaram um papel. Recebem cachês mensais, nome dado ao
salário. Trabalham em finais de semana e feriados, inclusive. Os cachês os
excluem do pagamento de horas extras.
Assim que a eleição passou, eles
deixaram de ser remunerados. Convivem também com a ameaça de que não
continuarão na Prefeitura com a mudança de governo. Os dois não recebem há 40
dias. Parte das contas está atrasada. No banco, chegaram ao limite do cheque
especial.
As desculpas para o atual trabalho
voluntário variam todas as semanas. O depósito em conta fica sempre para daqui
a dez dias. Na semana passada, ambos faltaram ao trabalho porque os cartões de
transporte estavam zerados. Um dos chefes chegou a chorar com a situação e deu
R$ 50 a um deles para que trabalhasse mais alguns dias. Os dois fizeram
empréstimo bancário e procuram trabalhos alternativos para amenizar o choque
nas finanças pessoais.
Paulo e Marcelo não são exceções. Há
outros funcionários sem receber os cachês. O exemplo deles marca um período leviano
e perverso na política: a fase de transição. Os tubarões brigam e especulam
sobre os cargos de segundo e terceiro escalões, frutos de acertos durante a
campanha. Os peixes pequenos muitos com salários na faixa de R$ 1 mil ouvem
os boatos enquanto esperam que seus processos sejam resolvidos.
Processos
é a palavra preferida dos burocratas, que parecem leitores do romance de Franz
Kafka, no qual a versão funcionário público de Josef K. desconhece porque está
sob julgamento. A diferença entre ficção e serviço público talvez resida na criatividade
em justificar bolsos e carteiras vazios.
Na Baixada Santista, outras cidades encenam
o purgatório da transição de governo. O limbo é um lugar de espera, de inércia
diante da definição de quem são os pecadores e de quem merece ir para o paraíso.
Enquanto se aguarda Godot, serviços são negligenciados ou extintos.
São Vicente, por exemplo, minimizou a
participação nos Jogos Abertos do Interior. Vários chefes de departamento foram
demitidos. Horas extras não foram pagas, o que provocou uma greve no setor de
saúde do município. A justificativa foi um problema no RH, variação calunga
para o processo kafkiano santista.
Reeleição não significa blindagem
para desrespeito, seja com servidores, seja com a população. Em Cubatão, a
partir do momento em que sentiu a eleição nas mãos, o PT de Márcia Rosa passou
a repetir o discurso de cofres ocos. O Festival Danado de Bom, de cultura
nordestina, foi cancelado, mesmo com apoio de indústrias. Seis em cada dez
moradores da cidade têm ascendência no Nordeste.
Onde foi parar o dinheiro?
Planejamento, orçamento, destinação de recursos parecem nomes de capítulos de
uma obra de ficção científica, onde o cenário se altera depois da contagem de
votos das urnas eletrônicas.
A fase de transição não consegue
ser, no mínimo, a etapa do piloto automático, também comum em gestões reeleitas.
Na prática, é o período do esconde-esconde, da sujeira embaixo do tapete e da
batalha por manutenção de cargos ou pelo novo emprego em janeiro.
Enquanto isso, quem
trabalha apenas para receber no final do mês está condenado sem saber por
qual crime a passar o Natal no inferno do purgatório político-eleitoral.
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