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Opiniões

15 DE OUTUBRO DE 2011

O que o diploma não dá

Por: Da Redação

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A educação recebeu uma
missão tão inglória quanto improvável. Virou o exorcista que nos salva de todos
os demônios. A resposta para todos os problemas sociais, que mascara as feridas
na infra-estrutura em diversas áreas, como saúde, transporte e segurança pública.

Dentro da fragilidade deste
discurso, tão comum na boca de políticos, empresários e até educadores,
teóricos de carteirinha ou não, o diploma ressuscita como o cavaleiro que
cravará a espada no peito do dragão da ignorância, da miséria e da exclusão. A
banalização chega ao nível de que qualquer canudo serve. A iniciação do
aprendiz pode ser via presencial, virtual, em instituição de primeiro time ou
na quitanda do seu Joaquim.

Ter diploma seria, pelas
promessas de campanha, o passaporte para degraus mais altos na montanha da
desigualdade social. As armas para sobreviver à travessia seriam conteúdos em
grande quantidade, sem conexão entre eles, informações com serventia imediata e
conhecimento que ganha importância se for aplicável em tarefas, nunca em
reflexão.

Sempre fomos escravos do
diploma como instrumento de poder. O papel servia para diferenciar os doutores
dos seres humanos mortais. Estabelecia status e acesso a círculos sociais de
chave restrita. Esta visão medíocre ainda persiste dentro de muitos segmentos,
inclusive na universidade.

O problema mudou, mas a
natureza dele não. A expansão do ensino superior levou o diploma para camadas
sociais que jamais poderiam sonhar com ele. A ilusão se manifesta quando a
aquisição do diploma representa o final da linha. É o momento em que se percebe
o engodo após anos de gastos e privações. O mundo lá fora não se adequou ao
papel recebido em festa. Em muitos casos, ignora a essência do documento e
exige aquilo que o dono dele não pode proporcionar.

Diante de uma educação cada
vez mais tecnicista, as deficiências e as limitações simbolizadas pelo diploma
soam mais cristalinas. E parte delas não está na estrutura da casa do saber;
aliás, denominação arrogante que indica falsa exclusividade.

O diploma jamais trará
decência e caráter. Nada mais frágil do que supor que horas em sala de aula vão
parir uma mudança de valores. Pelo contrário, é muito mais comum reproduzir o
modelo desigual e cruel do lado de fora dos muros. Parece, para muita gente,
aceitável e normal vomitar arrogância e frieza, absorvidas de quem deveria
combatê-la ou reforçada pelo distanciamento do mundo.

O diploma jamais entregará
sensibilidade. Olhar para o outro, compreendê-lo, aceitá-lo e respeitá-lo pelas
semelhanças, mas principalmente pelas diferenças, não é uma lição que pode ser
ensinada por disciplina alguma. Não está nos teóricos, muito menos nas
correntes de pensamento que unem e rechaçam outras ideias. A sensibilidade
reside em nós, que se manifesta nas relações entre as pessoas,
independentemente da posição e do número de certificados pregados nas paredes
da sala.  

O diploma jamais dará poesia
de presente. Perceber-se dentro de um cenário e buscar em seus detalhes o
combustível para prosseguir é consequência dos requisitos anteriores. Como
entender o que está além da janela se não se vê a própria casa? Como entender a
importância das frutas do quintal se o alimento é a cobiça sobre o que não
existe ou só existe sob forma de inveja?

Não me entenda mal. O
diploma é crucial e merece defesa, até porque o problema não parte dele. A
enfermidade está impregnada nos seres que o enxergam como passe livre para o
poder. Que, acima de tudo, o utilizam para separar, para transformar pessoas em
robôs ou gado.

Neste sentido, o diploma é
sem cor, gosto ou cheiro, se a educação não servir para abrir a porta e
libertar, desde que o viajante tenha a consciência de que pode escolher a rota
e refletir continuamente sobre outros caminhos, inclusive suspender a viagem e
se lambuzar de prazer na inércia. 

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