O Simples pode morrer de morte morrida; não de morte matada | Boqnews

Opiniões

18 DE DEZEMBRO DE 2025

O Simples pode morrer de morte morrida; não de morte matada

Marcos Cintra

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A tão esperada reforma tributária foi apresentada como um divisor de águas, prometendo simplificação e um ambiente de negócios mais amigável.

Mas não para todas. Para as micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional, o horizonte parece, na verdade, nublado.

Longe da simplificação alardeada, a realidade das duas leis complementares com seus milhares de artigos e a complexa teia de situações específicas ameaça empurrar muitos desses negócios para um dilema perigoso: abandonar o Simples e, em vez de abraçar a formalidade do regime normal, cair no abismo da informalidade.

A essência da promessa de simplificação esbarra na própria estrutura da reforma.

Com um arcabouço legal tão extenso, a expectativa é de um aumento significativo da burocracia e, consequentemente, da litigiosidade do sistema.

Para o pequeno empresário, que já dedica tempo e recursos consideráveis à gestão do seu negócio, a perspectiva de navegar por um emaranhado ainda maior de regras é assustadora.

O que era para desatar nós, parece estar criando outros ainda mais complexos.

O calcanhar de Aquiles das empresas do Simples Nacional no cenário pós-reforma é a questão dos créditos fiscais.

Hoje, essas empresas não geram créditos para seus adquirentes. Com a implementação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), impostos de valor agregado não cumulativos, essa característica se transforma em uma desvantagem competitiva brutal.

Clientes, especialmente outras empresas (B2B), buscarão fornecedores que lhes garantam créditos, e isso raramente será o pequeno negócio do Simples.

Considerando que as alíquotas do novo IBS/CBS tendem a se aproximar de 28%, a pressão se torna insustentável.

Para se manterem competitivas, as empresas do Simples serão forçadas a reduzir drasticamente seus preços, absorvendo custos que antes eram mitigados pelos baixos custos acessórios tributários.

Ou, a alternativa, migrar para o sistema regular de tributação (Lucro Real ou Presumido).

Mas essa opção, embora formal, implica custos enormes e uma complexidade administrativa que muitas micro e pequenas empresas simplesmente não têm estrutura para suportar.

A gestão de múltiplas declarações e o conhecimento técnico exigido podem ser verdadeiros entraves.

E é aqui que reside o risco mais alarmante: a informalidade.

Diante da encruzilhada entre a desvantagem competitiva no Simples ou a complexidade e os custos proibitivos do Lucro Real/Presumido, muitos empreendedores podem sentir-se encurralados.

A tentação de operar “por fora”, de escapar de um sistema tributário percebido como opressor e injusto, pode se tornar uma saída para a sobrevivência.

As consequências desse êxodo para a informalidade seriam devastadoras.

Não apenas o Estado perderia arrecadação, o que minaria a própria finalidade da reforma, mas também criaria um mercado desigual.

Empresas informais, sem os encargos e responsabilidades das formais, poderiam praticar preços mais baixos, prejudicando ainda mais as que tentam se manter na legalidade.

A reforma tributária, em sua atual concepção, corre o sério risco de desvirtuar o propósito do Simples Nacional, que é fomentar o empreendedorismo e a formalização de pequenos negócios.

Se o objetivo era simplificar, o resultado para o Simples pode ser justamente o contrário: uma encruzilhada que leva muitos pequenos e médios empresários a considerar a informalidade como a única via possível para a manutenção de suas atividades.

É imperativo que os legisladores e formuladores de políticas públicas compreendam esse potencial falha e ajam para evitar que a promessa de simplificação se transforme em um catalisador para a precarização do cenário empresarial brasileiro.


Marcos Cintra é doutor em Economia por Harvard  e professor titular da Fundação Getúlio Vargas. Foi Vereador, Deputado Federal, Secretário Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), Secretário do Planejamento do Município de São Paulo, Secretário de Finanças do Município de São Bernardo do Campo, Secretário do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Município de São Paulo e Subsecretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo.

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