Rosas vermelhas são um gesto
cordial, talvez um presente entregue por reconhecimento momentâneo. O abraço e o beijo demonstrariam o afeto por
ela, que está ao lado, mas que podem atender convenções sociais. Homenagear
mulheres no dia 8 de março representa um ato de carinho, mas jamais poderiam
mascarar comportamentos rotineiros nas relações de gênero.
As mulheres ainda não completaram o ciclo revolucionário.
A revolução segue numa fase de transição que atropela os homens incapazes de
entendê-las -, embora também provoque deserções no universo feminino.
As vítimas não são apenas as mulheres que engrossam a
pilha de boletins de ocorrência nas delegacias, números que somados nos
indicam quanto o machismo se manifesta pelo olho roxo, pelos cortes, pelas
marcas de queimaduras, pelos corpos que entopem geladeiras de institutos
médicos.
Mulheres espancadas e mortas são a ponta mais cruel de um
iceberg de sangue. Hoje, nada tão falso ou tão politicamente correto do que
dizer que as mulheres conquistaram seu espaço. De que mulheres falamos? Qual
foi o preço pago para a aceitação no clã masculino?
Um das taxas deste pacote tributário é a mudança de sexo.
Não me refiro às cirurgias que geram novos desenhos orgânicos. A dor está na
interpretação teatral de outro gênero para se sentir pertencente a um grupo. O
mundo corporativo, por exemplo, transforma mulheres delicadas em machos
selvagens por conta de um salário, ainda assim, inferior.
Numa grande construtora, em São Paulo, uma engenheira
para sobreviver na obra repleta de homens passou a falar palavrões, beber em
demasia nas reuniões semanais e, como máximo da aceitação, fazia movimentos com
os quadris para simular que possuía um pênis. Outra engenheira, ao recusar
estilo viril da colega, virou alvo de discriminação. Ser educada virou um
defeito. Não beber era uma contravenção. O silêncio diante das piadas machistas
a tornou pecadora.
Muitas mulheres optam por aceitar as condições dos homens
para ganhar a carteirinha do clube deles. Entrar na associação não significa injetar
em si os valores masculinos. Nem integrar a diretoria. É a melancolia de quem
reproduz sem a consciência disso a forma machista de enxergar o mundo. A
metamorfose que se completa nos julgamentos de outras mulheres, que deixam de
ser semelhantes, mas como um pedaço de carne no açougue.
A revolução feminina, em curso desde o século passado,
deve ser retomada de maneira coletiva. Não basta ser uma profissional que se
nega a atender os desejos machistas. Desmantelar um exército de mulheres é a
estratégia recorrente do mundo masculino. Fingir-se tolerante é tática
utilitária contra o avanço das mulheres em territórios que pertenciam antes aos
homens.
Na vida prática, os homens, algemados voluntariamente em
valores arcaicos e selvagens, se unem e lutam para manter o estado de coisas. Aceitamos
como natural a exposição do corpo feminino como mercadoria na TV. Replicamos
suposições sexuais para as que ascenderam na empresa. Classificamos como mal
amadas aquelas que mergulham no trabalho para dar conta de mais um papel
social. Definimos a sensibilidade e a intuição, por ignorância ou inveja, como
qualidades menores, doidos para tê-las.
A revolução feminina está incompleta. Não são rosas
vermelhas, abraços ou outros gestos masculinos que carimbam a igualdade de
gêneros. Um ato de carinho pode ser o crime perfeito, a dominação imperceptível
do bruto. As mulheres precisam perceber que o teto está próximo, mas é feito de
vidro. Ponham os homens de lado! Depende de vocês o fechamento do ciclo.
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