Existem histórias em filmes que têm todos os elementos convidativos para que roteiristas sem criatividade repitam fórmulas já há muito tempo usadas no cinema. E a de Chef(2014) certamente é uma delas: pais separados, mas unidos pelos filhos; protagonista “perdedor” que tenta dar a volta por cima;antagonista que atrapalha os planos do personagem principal e por aí vai. Porém, fugindo dessa estrutura clichê, a produção vai além de uma provável avaliação negativa precoce e surpreende àqueles que gostam de um enredo que é bem contado e que envolve e diverte ao mesmo tempo.
Considerando as avaliações acima, a impressão que dá ao conferir as cenas iniciais de Chef, filme escrito, dirigido e protagonizado pelo competente diretor e ator americano Jon Favreau (Homem de Ferro 1 e 2), é exatamente a de que se trata de um filme que já tem a sua fórmula pronta para se consumida e digerida sem que o espectador note a mínima diferença. Mas não demora muito para que possamos perceber que existe algo que quebra esse preconceito e nos dá fôlego para continuar. Como exemplo disso, logo no primeiro ato, o personagem de Favreau, Carl Casper, um reconhecido chef de cozinha que atua em um tradicional restaurante de Los Angeles, conversa com o filho, Percy, interpretado pelo ator mirim Emjay Anthony, e tenta convencê-lo de uma forma didaticamente chata – bem a cara dos pais que dizem “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” – para que a criança coma uma fruta ao invés de pipoca. Com um corte abrupto, a cena seguinte mostra os dois devorando um pacote de pipoca e, de quebra, um delicioso cachorro-quente. A contradição de personificar um chef de cozinha, culturalmente reconhecido por ter bons hábitos alimentares, ter prestígio no meio social, possuir um restaurante e ter grana, no papel de um homem gordo esem dinheiro são os elementos-chave que dão o tom dessa comédia-dramática.
O início do conflito existente na história é outro ponto que merece atenção para quem, como eu, subjugou sua capacidade criativa. O filme inicia com Casper sabendo que precisa surpreender um badalado blogueiro e crítico gourmet, aqui vivido por Oliver Platt (O Mensageiro; X-Men: Primeira Classe) desses que tem milhares de seguidores no Twittere visualizações em sua página. É fácil imaginar que, ao receber uma avaliação negativa, Casper fará de tudo para dar a volta por cima e cozinhar com o intuito de reverter a sua situação. Mas não. O que vemos é que, a partir dessa situação, o filme praticamente vira a página do livro e apresenta um novo início de carreira e relação familiar na vida do “El Jefe”, como o chef é chamado carinhosamente pelos amigos, que radicaliza e vai contra seus princípios ao adquirir uma antiga van com um único objetivo: transformá-la em um food-truck.
A minha recomendação é para que não vejam esse filme com a barriga vazia. Isso porque a direção de Favreau faz questão de acompanhar a preparação de alguns pratos por meio de enquadramentos de dar água na boca. É como se estivéssemos vendo um programa de culinária dentro de um filme. É interessante notar que é o próprio ator que manipula e é responsável por algumas receitas, mesmo quando a câmera enquadra somente suas mãos em atividade. Esse tipo de ângulo me deu uma sensação de proximidade que fez com que eu realmente quisesse provar o prato que estava sendo preparado. O segredo da técnica pode ser conferido durante os créditos, quando vemos um profissional ensinando Favreau a preparar um saboroso misto-quente.
Acredito que a produção também surpreende ao apresentar certo peso profissional no elenco, que conta com ninguém menos que o veterano Dustin Roffman (Rain Man; Entrando Numa Fria), as competentes Scarlett Johansson (Os Vingadores; Lucy) e Sofia Vergara (Quatro Irmãos), e o ótimo ator Robert Downey Jr. (Homem de Ferro 1, 2 e 3; Sherlock Holmes), que faz uma ponta. Mas é por não jogar nas costas desses atores a responsabilidade do sucesso da trama que Favreau mostra a diferença de quem sabe trabalhar corretamente com todos os elementos de narrativa de um filme de forma harmoniosa e eficaz de uma produção cheia de defeitos técnicos e sem criatividade.
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