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Foto: Susan Hortas-PMS-Divulgação

Opiniões

15 DE MAIO DE 2019

A quem interessa?

Por: Fernando De Maria

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Antes que alguém queira me imputar a alcunha da Turma do Não, comum para aqueles que discordam de algo que supostamente afronte o pseudo desenvolvimento de Santos, já adianto que não faço parte deste grupo, mas amo a Cidade onde vivo desde que cheguei ao mundo na Santa Casa.

Mas não posso me calar diante de algumas questões que estão em voga na Cidade.

Assim como absurdos, de interesses restritos, cuja fatura será cobrada no futuro. E paga por todos os santistas.

É o caso das polêmicas obras na Ponta da Praia, que preveem melhorias na orla (?), além da construção de um novo Mercado de Peixes e um Centro de Convenções, em substituição ao atual Mendes Convention Center.

O Ministério Público até tentou barrar a continuidade da obra, sem sucesso.

Ela vai sendo tocada, infernizando a vida de quem passa pelo local.

As mudanças na ciclovia, com fechamento das vias e estreitamento na pista, farão a alegria apenas para poucos.

Como os raros donos de estacionamentos, a exemplo nos clubes, pois as dezenas de vagas gratuitas ao longo da Avenida Saldanha da Gama serão suprimidas.

Em nome das melhorias e do novo visual do bairro, que ganhará áreas de lazer.

Algo a ser aplaudido, é claro.

Resta saber, porém, se esta alternativa naquele trecho da Cidade é a ideal?

Afinal, seria mais útil ampliar áreas de lazer em locais realmente carentes, como a região dos cortiços, nos bairros do Paquetá e Vila Nova.

Local onde crianças sequer sabem o que é um parque infantil. Nem área verde.

Sem contar o Valongo, morros e trechos da Zona Noroeste.

E até na área continental, sempre tão esquecida.

Não faltam locais, portanto, para novas áreas de lazer.

Mas não na Ponta da Praia, cujas opções abundam.

 

Futuro empreendimento em áreas que pertenciam aos clubes. Foto: Divulgação

 

Outorga onerosa

Tais obras estão sendo realizadas pela iniciativa privada  em troca – usando uma palavrinha mágica chamada de outorga onerosa – da edificação de um imenso empreendimento – o segundo maior da Cidade em termos de unidades, na Ponta da Praia, o Navegantes Residence.

Ou seja, as obras são a contrapartida do empreendedor para Nide ( Núcleo de Intervenção e Diretrizes Estratégicas) dos clubes – onde o futuro empreendimento será erguido com suas quatro torres, ocupando todo o terreno do antigo Regatas da Gama, além de parte da antiga área do Vasco e do Saldanha.

Aliás, com direito a um belo desconto. Tudo dentro da lei publicada no Diário Oficial, com razoável antecedência antes do anúncio oficial no início deste ano.

Voltando ao empreendimento, trata-se de uma edificação luxuosa que usará os terrenos totais ou parciais dos clubes Regatas Santista, Vasco da Gama e Saldanha da Gama.

Uma área nobre e estratégica, na boca da barra de Santos.

Serão 1.056 apartamentos, de 1 a 4 dormitórios, vários deles duplex.

O preço médio do m2 será de R$ 8 mil, conforme prevê o EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança, disponível no site da Prefeitura.

Luxo para poucos, a ponto de estar previsto supermercado e restaurante no local.

Fato que deve ser comemorado nestes tempos econômicos obscuros, pois irá gerar renda e empregos – ainda que temporários.

O foco é: mas a que preço e quem serão os reais beneficiados?

Tenho dúvidas se a população comum realmente se beneficiará, como  tão propagado pela Municipalidade.

Vamos aos fatos.

 

A quem interessa?

Graças às mudanças aprovadas pelo Legislativo no ano passado, tão logo iniciou o ano, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) anunciou o pacote de bondades com as melhorias a serem feitas pela iniciativa privada.

Ou seja, o empreendedor (Grupo Mendes), que optou em investir apenas na área da construção civil deixando de lado outros negócios, como motéis, hotéis e até o Centro de Convenções, segundo palavras dos próprios empresários, quer deixar um legado para a Cidade.

Algo plenamente louvável.

E que merece ser enfatizado e elogiado.

 

Prefeito faz apresentação sobre empreendimento na Ponta da Praia. Foto: Nando Santos

 

Diante disso, o prefeito resolveu anunciar, em coletiva, a benesse ao Município.

Chamou os vereadores e a Imprensa.

E explicou como ficará a Nova Ponta da Praia.

Muitos edis, porém, ficaram incomodados com a decisão, pois foram pegos de surpresa.

Deveriam ter pensado antes de aprovar a legislação a respeito dos Nides, alterada no ano passado, com a nova Lei de Uso e Ocupação do Solo.

Aliás, até a área do Senai virou uma, outro ponto nobre da Ponta da Praia. Talvez o último.

Afinal, são 15.200 metros quadrados, pelo menos. Sem contar qual será o futuro da Rua Áurea Gonzalez, onde hoje está a Rua do Peixe.

Interessante que a eventual futura edificação poderá ser voltada, conforme o Nide aprovado, à recreação, atividades com música, alimentícia, educacional, recreativa e cultural.

Abriria espaço, portanto, para um novo empreendimento comercial-residencial-turístico?

Afinal, a proximidade com o futuro centro de convenções pode ser a deixa.

A conferir.

 

Nova Ponta da Praia

Enquanto isso, as obras a serem realizadas pela iniciativa privada tem previsão de gastos no montante de R$ 130 milhões, alterando toda a orla da bela Ponta da Praia, incluindo mudanças que trarão maior impacto urbano e no trânsito nas até então ruas internas tranquilas do bairro.

Ninguém perguntou, no entanto, se a Ponta da Praia realmente precisava destas intervenções.

Afinal, se é outorga onerosa (troca de maior potencial construtivo por melhorias em áreas públicas), os benefícios poderiam ser estendidos para outras ações em bairros mais carentes.

Não faltam exemplos como na Zona Noroeste, onde há concentração elevada de pessoas vivendo em palafitas.

Temos o vergonhoso título de concentramos a maior favela de palafitas do País.

Basta visitar o Dique da Vila Gilda, onde crianças brincam no fétido Rio dos Bugres.

Triste Santos de tantos contrastes.

Ou o benefício poderia ser usado para revitalizar o Centro Histórico, por exemplo, tão abandonado e esquecido pela Municipalidade, mas de elevado potencial turístico e gerador de empregos.

E não adianta bradar que o Jabaquara está sendo contemplado com escola e área esportiva, graças ao benefício.

Uma quirela na comparação com o volume de recursos envolvidos.

 

Impactos

Além das mudanças no trecho da orla – entre a Rua Carlos de Campos até a área junto ao Ferry-Boat – novos impactos se perpetuarão.

Mas a quem interessam tais obras?

Afinal, nem o Poder Público tem clareza no que se pretende.

A ponto do vereador Sadao Nakai, tucano da base governista e um dos raros edis a se colocar frontalmente à forma como a obra tem avançado, rasgar, na sessão da última quinta (9), a resposta enviada pela Prefeitura  que questionava o Executivo a apresentar justificativas que atestaram o interesse público da obra.

Ele tomou como referência o artigo 123 da Lei de Uso e Ocupação do Solo, para a oferta de área onde será construído o centro de convenções na Ponta da Praia.

A resposta  da Municipalidade para justificar o interesse público foi de que o Centro de Convenções vai gerar a transição harmônica entre a cidade e Porto, impedindo a expansão portuária para a área da orla.

“Nós estávamos em risco, mas não sabíamos que o Porto ia invadir toda a nossa praia. Por isso, que ofertamos o terreno para o Centro de Convenções para ali demarcar o que é a cidade e o que é o porto. Essa é a resposta que recebi do Executivo”, disse Sadao, irritado,  pela forma como a Administração se posicionou sobre o assunto.

Rasgou a resposta em público.

E diante das câmeras.

Algo raro para um vereador de cultura e paciência nipônica.

 

Pesquisas & pesquisas…

No final do mês, Sadao promoveu uma audiência pública no clube Vasco da Gama.

Moradores presentes questionaram a Prefeitura em várias ocasiões, mas nada mudou no ritmo das intervenções urbanas.

A alegação é que a opinião pública aprova as intervenções, com base em pesquisa encomendada pela própria Municipalidade.

Ou seja, quem encomenda é a maior interessada no processo. Duvidoso, portanto.

Afinal, qual a independência?

Além disso, em uma pesquisa – e temos experiência de mais de 20 anos neste setor – é possível elaborar um questionário de acordo com os objetivos pretendidos.

Ou seja, é o mesmo de comparar o volume de água em um copo.

Ele pode estar meio cheio.

Ou meio vazio.

Depende do ponto de vista.

Portanto, apenas uma pesquisa independente e que deixe claro todos os pontos a serem alterados com a proposta merece crédito.

Caso contrário, é jogar para a torcida.

E correr para o abraço para ganhar espaço na mídia.

 

Merecedoras de reflexão

Outro que questiona o projeto Nova Ponta da Praia, com dados, é o jornalista e o consultor econômico, Rodolfo Amaral.

Em entrevistas à Imprensa e na página do Facebook, ele enumera uma série de questões, merecedoras de reflexão.

Chama a decisão do prefeito de “casuística”, alegando que Barbosa transformou o conceito de interesse público previsto no Artigo 123, parágrafo 6º da Lei nº 1006/2018 no princípio de seu interesse particular e também do empreendedor.

Enfim, não falta polêmica nesta névoa que paira na Ponta da Praia.

 

 

Júlio Eduardo: ‘não tem sacanagem’. Foto: Divulgação

“Não tem sacanagem”, diz secretário

Afinal, em outro encontro em abril passado entre os vereadores Sadao, Boquinha, Fabrício Cardoso e Sérgio Santana, além do presidente da CET, Rogério Villani, e do secretário de Desenvolvimento Urbano, Júlio Eduardo dos Santos, um dos entusiastas desta polêmica obra, surpreendeu uma frase do mesmo no meio do nada.

“Não tem sacanagem (nesta obra). Se alguém pensa assim, está errado”.

Frase dita de supetão, pois ninguém fez qualquer referência a eventual irregularidade no projeto.

Mas que ficou estranho, ficou.

Não ouvi tal fala de terceiros.

Estava pessoalmente na mesma reunião, fazendo cobertura jornalística.

E ouvi as palavras do nobre secretário, assim como os demais presentes.

Era o único da imprensa, tirando os dois colegas jornalistas, assessores do vereador.

Na oportunidade, ficou clara a falta de planejamento da Prefeitura para tocar o projeto como um todo.

Ou seja, anunciaram esta mudança radical na paisagem urbana da Ponta da Praia, mas esqueceram de conversar antes com os envolvidos no processo.

Afinal, várias pendências não ficaram claras, como as obras de acesso à travessia entre Santos e Guarujá.

A Dersa sequer havia sido informada detalhadamente sobre o projeto, a ponto do próprio presidente dizer em ofício ao deputado Paulo Côrrea Jr (Patriotas) que a empresa não fora informada sobre a proposta da Municipalidade.

Causou o maior rebuliço na Prefeitura, que alegou um mal-entendido.

Em troca, ao que parece, ampliaram as faixas em direção à balsa, em detrimento do sentido oposto (Ponta da Praia – José Menino).

As faixas de estacionamento serão eliminadas.

Não faltarão problemas, diga-se de passagem.

Oremos.

 

Área onde será erguido o empreendimento. Foto: Nando Santos/Boqnews

Centro de Convenções 

Quanto ao Centro de Convenções,  nova polêmica.

A legislação deu um prazo com alíquota zero para quem firmasse o termo de compromisso sobre o Nide no local.

Único e exclusivo.

Basta ler o parágrafo 2º do artigo 123 da Lei do Uso e Ocupação do Solo.

Foi publicada em julho do ano passado e assinada em outubro – exatamente dentro do limite de 3 meses,  como prevê a legislação, para garantir o cálculo de cobrança com o índice zero.

Ou seja, um negócio da China.

Mas ocorreu em Santos mesmo.

Além disso, existem dúvidas sobre áreas, desapropriações feitas pela Prefeitura, como no terreno de 2 mil metros quadrados do hipermercado americano Wal Mart, recém-desapropriado pelo Poder Público, mas que será pago pela iniciativa privada, entre outras discussões.

Algo discutível sob o ponto de vista jurídico, alegam advogados.

Assim, ainda existem muitas névoas neste processo.

O Wal-Mart, apesar de contatado, não responde à Imprensa.

 

 

Racha público no Mercado do Peixes

 

Não bastasse, há o novo Mercado de Peixes, bonito no projeto, mas uma incógnita aos comerciantes, que temem não ter condições de arcar com o aumento do aluguel do espaço em razão das mudanças a serem implantadas.

O que poderá empurrar os preços para o alto na venda dos pescados, sob o risco de afastar clientes, na visão de alguns permissionários.

Apesar das negativas oficiais, o grupo do Mercado de Peixes está rachado.

Uns, sempre de braços abertos ao prefeito, defendem a mudança.

Até um almoço a base de frutos do mar foi oferecida.

Outros, mais céticos, questionam a alteração do local.

No entanto, se assim o fazem, logo aparece um fiscal para apontar problemas somente nos boxes dos questionadores.

Pressão? Imagine!!

Sem contar a pífia indenização empurrada goela abaixo à Nipo-Brasileira, dona de parte do terreno a ser ocupado, cujo objeto está em discussão judicial.

Na área do futuro terreno do Mercado, faixas foram colocadas por moradores vizinhos, que questionam a obra.

Mas arrancadas logo depois.

Sobrou uma sobre o Museu do Porto, que não tem relação com a polêmica em si.

 

Quem se habilita?

Dessa forma, voltando ao Centro de Convenções, é interessante notar que, na contramão o que o Poder Público deveria almejar, é muito estranho quando a iniciativa privada abre mão de um empreendimento próprio para construir um novo e entregá-lo à Municipalidade.

Afinal, se o negócio é tão bom, como ocorre hoje no Mendes Convention Center, por que abrir mão de uma receita garantida e entregá-la de mão beijada ao Poder Público?

 

Complexo do Anhembi irá a leilão no início em junho. Foto: Divulgação

Ora, se nem a prefeitura de São Paulo consegue vender o Complexo Turístico do Anhembi – antes a ser leiloado em 2 de abril  o recebimento dos envelopes passou para o dia 4 de junho e o leilão no dia 11 do mesmo mês – , a de Santos terá capacidade de tocar um Centro de Convenções?

Sobre o ‘abacaxi’ Anhembi, a jornalista Thaís Herédia, durante o Jornal Gente, da Rádio Bandeirantes, questionou se é papel do Poder Público cuidar de um Centro de Convenções.

Serve para refletir.

O discurso oficial é que o mesmo será entregue à iniciativa privada, em uma espécie de PPP – Parceria Público Privada.

Será? Isso não está claro.

Afinal, quem teria interesse em tocar adiante este empreendimento, tendo a prefeitura ingerência sobre o mesmo?

Não bastasse, a execução de um empreendimento deste porte vai atrair maior fluxo à Ponta da Praia, especialmente na área próxima à saída e entrada de balsas, sempre complexa.

Vale salientar que o futuro empreendimento turístico, que ganhará o nome de Centro de Atividades Turísticas (CAT), terá pouco mais da metade das 750 vagas de estacionamento do atual Mendes Convention Center.

Mais carros nas ruas. Menos vagas. Tráfego mais lento. E irritante.

Bom negócio para quem abrir  estacionamentos no entorno.

Fica a dica, portanto.

Caos à vista no local?

 

Dívidas a honrar

Afinal, o Município, que não honra suas dívidas com dezenas de fornecedores, enfrenta sérias dificuldades para tocar seus próprios municipais.

Vide o caso Museu Pelé – com sucessivos prejuízos, cuja luz no fim do túnel pode ser a transferência para o Santos FC –  e o Teatro Coliseu – cuja fachada se deteriora e há dois anos sua calçada está interditada em razão das sucessivas quedas de rebocos.

Apenas para citar dois exemplos.

Sem contar policlínicas em estado preocupante e escolas com graves deficiências, conforme relatos na Imprensa.

E até dito pelos vereadores governistas durante as sessões da Câmara.

Sem esquecer do histórico Outeiro de Santa Catarina, marco da fundação de Santos, abandonado, invadido, furtado e esquecido.

 

Mendes Convention Center, no Campo Grande, dará espaço para um power center, contemplando novos estabelecimentos comerciais. Foto: Divulgação

Bom negócio?

Portanto, é, no mínimo, estranho e questionável, o Poder Público querer receber um Centro de Convenções, sendo que a iniciativa privada quer livrar-se do seu para aproveitar a imensa área do imóvel atual para locar para novos comércios criando um power center, um espécie de shopping vertical.

Puxando para o âmbito local, trata-se nova fonte de renda para o empreendedor, que se livra de um ‘abacaxi’.

E ainda gera uma imensa receita com a locação dos espaços para grandes redes – de olho em área tão estratégica -, cujo montante será abatido, a médio prazo, do valor investido na chamada outorga onerosa.

No caso, em razão do prédio da Ponta da Praia, pois esta saiu na ‘faixa’.

Nada contra, é claro, pois o empresário visa lucro.

Mas será benéfico ao Município?

É mais uma questão que deve ser levada em consideração.

Nas falas públicas do prefeito – assim como ocorre nas obras da entrada de Santos – os prazos para a execução dos projetos vão até o final do próximo ano.

Ou seja, o objetivo é claro: entregar tudo dentro do seu mandato, a qualquer preço.

E dane-se quem ficará com a fatura a ser paga a partir de 2021.

Portanto, vale a pena refletir.

Afinal, a quem realmente interessa (ou interessam) tais obras?

Com a palavra, a turma do sim.

E do não também…

 

 

EIV

E quem quiser conhecer o empreendimento a ser erguido em troca das obras do projeto Nova Ponta da Praia (foto acima), via outorga onerosa, poderá fazê-lo até 21 de maio no site da Prefeitura de Santos.

Informações para [email protected]

Para conhecer detalhes do projeto, basta acessar este link.

 

 

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