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Opiniões

27 DE SETEMBRO DE 2025

Tempos Sombrios

Fernando Belzunce

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Vivemos em tempos caracterizados pela desinformação, com muitas pessoas ainda desconhecendo o que isso implica.

É um contexto marcado pela confusão e desconfiança, onde assistimos a transformações de tal magnitude e em tão pouco tempo que há pouca maneira de assimilá-las ou mensurar suas consequências.

Essa confusão generalizada ocorre em um clima social de extrema polarização, com forças políticas poderosas que, treinadas na gestão das emoções, são capazes de causar enorme instabilidade por meio das mídias sociais.

A proliferação de informações falsas e a infodemia, essa sobrecarga de informação avassaladora e desorientadora, são fatores-chave para essa sensação de fragilidade.

Por todas essas razões, e pelos eventos que estamos testemunhando, há uma sensação perturbadora de que talvez não estejamos vivendo um tempo de mudança, mas sim uma mudança de era.

Contribuindo para esse clima global de vulnerabilidade está a disseminação bem-sucedida de tendências políticas iliberais que exploram as próprias democracias para promover agendas antidemocráticas em dezenas de países.

Esses políticos claramente seguem um manual compartilhado, inspirado pelo homem mais poderoso do mundo, que globalizou essa estratégia de desinformação.

Um líder democraticamente eleito apenas quatro anos após seus seguidores terem encenado uma revolta contra o resultado de uma eleição.

Uma insurreição que parecia inconcebível nos Estados Unidos e que, um ano depois, como prova da natureza universal desse movimento, foi replicada no Brasil.

Tendências populistas e autocráticas influenciam novos políticos radicais e até mesmo aqueles pertencentes a partidos anteriormente caracterizados pela moderação.

Isso está acontecendo na Hungria, Polônia, Israel, Filipinas, Turquia, El Salvador, México, Argentina, Espanha, França e Itália.

Líderes emergem como influenciadores dessa nova doutrina cultivada nas mídias sociais, onde se agitam os ataques implacáveis a quem pensa diferente, bem como o questionamento constante de instituições, eleitas para representar a vontade dos cidadãos, mas surpreendentemente apontadas como supostas inimigas do povo.

Os ataques à justiça, por exemplo, são furiosos.

Assim como a brutal campanha de descrédito da mídia e os ataques a muitos de seus profissionais em meio a um quadro de surpreendente impunidade. Isso ocorre simultaneamente em muitas sociedades liberais.

Será mesmo uma coincidência?

Estamos imersos nesses tempos sombrios que serão objeto de estudo no futuro.

O impacto das grandes tendências tecnológicas no jornalismo e nas democracias é enorme, e parece claro que esse novo quadro de turbulência fomenta a desinformação e enfraquece as organizações de mídia, sem solução à vista.

A maioria dos veículos de comunicação do mundo entrou em crise há anos, enquanto as empresas multinacionais de tecnologia atingiram capitalizações de mercado superiores ao PIB de países como França, Espanha e Itália. Milhões de pessoas permanecem viciadas todos os dias em plataformas de mídia social baseadas em um modelo de negócios que recompensa mentiras e sensacionalismo com base em critérios algorítmicos.

Elas constituem um campo aberto para a disseminação de notícias falsas e manipulação, bem como para a consolidação da polarização e do ódio.

A democracia está tão assimilada nas sociedades liberais que parece não estar em risco, o que motiva uma perigosa frouxidão em sua defesa.

Mas a enorme desorientação geopolítica, aliada à imprevisibilidade das lideranças e ao descaso com diversas organizações internacionais, está abalando todo um sistema universal de valores, respeitado e acordado há décadas.

Supõe-se que, apesar das críticas e dos ataques, a democracia sempre perdurará, embora, como mostra a história, isso não precise ser assim.

Isso é demonstrado por episódios recentes que antes pareciam impossíveis, como um país soberano invadido por outro na Europa ou uma população civil submetida a uma catástrofe humanitária no Oriente Médio.

Não é a segurança que está em jogo nesse dilema. Não é a economia. Não é a migração. Não é a identidade. É a democracia. Porque se trata de democracia. E também se trata do jornalismo, que é a profissão que serve aos processos e práticas democráticas e a todos os cidadãos, e é por isso que está no centro desta ofensiva global.

Hoje celebramos o Dia Mundial do Jornalismo, e parece o momento perfeito para lembrar a importância e o significado desse ofício.

Uma profissão imperfeita, visto que é exercida por pessoas, é o sistema mais conhecido para que as sociedades tenham acesso a informações profissionais, baseadas em fatos e em verdades, que lhes permitam tomar decisões livres. Tão simples… como transcendental.

Uma atividade que também exerce supervisão sobre governos, empresas e instituições, fomentando a diversidade ao oferecer diferentes pontos de vista e servindo de plataforma para pessoas e causas que, de outra forma, seriam esquecidas. Um trabalho árduo, belo e necessário.

Talvez mais do que nunca. Porque agora que sabemos que a IA transformará para sempre nossa percepção da realidade e, sem dúvida, contribuirá para a disseminação de desinformação, gostaríamos de ver pessoas se dedicando profissionalmente a uma profissão baseada na verificação de informações, na comparação de dados, na documentação de eventos e em viagens aos locais onde os eventos ocorrem para testemunhar o que acontece lá.

Sem jornalismo, não há democracia. E sem democracia, a escuridão surge.

 

Fernando Belzunce é diretor geral editorial da Vocento e autor do livro “Jornalistas em Tempos de Escuridão”, publicado recentemente pela Ariel.

 

Este artigo foi encomendado para comemorar o Dia Mundial do Jornalismo.

 

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