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Opiniões

23 DE JANEIRO DE 2023

Uma viagem ao plano extraterrestre

Por: Da Redação

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I

Em nova experiência no gênero romance infantojuvenil,  Silas Corrêa Leite (1952) apresenta A Coisa: muito além do coração selvagem da vida (São Paulo, Editora Cajuína, 2021), que conta a trajetória de um adolescente revoltado com a difícil vida que leva numa das zonas periféricas da grande cidade de São Paulo e procura fugir de casa para embrenhar-se no mundo.

Abandonado pelos pais, decide largar-se sozinho a pé, com seu skate, pela Serra do Mar em busca das praias do Litoral paulista.

E, assim, passa a viver uma vida de andarilho e a sobreviver do que a floresta lhe podia oferecer como alimento, ou seja, água, peixes, frutas e animais silvestres, até que, um dia, acaba por descobrir, no meio da mata, um objeto enorme não identificado, a que passa a chamar de A Coisa, ou seja, um aparelho estranho que soltava sons igualmente inidentificáveis, ou seja, provavelmente um veículo extraterrestre.

Com um estilo que absorve a linguagem popular sem rodeios, o narrador, um alter ego do romancista, ou seja, um professor e bibliotecário de escola pública da periferia, conta e reconta a história de um seu ex-aluno, um tal de Karl Marx, de sobrenome bem brasileiro, da Silva Santos, também conhecido como Carlinhos Buscapé ou apenas Carlito, menino traquina criado num barraco das quebradas do Jardim Jaqueline, na zona oeste de São Paulo, à beira da rodovia Raposo Tavares, e, depois, na casa da avó, que logo haveria de morrer, e, por fim, na casa do pai, em meio a irmãos filhos de outra mãe.

II    

O que se percebe neste romance é a intimidade com que o autor percorre os ambientes dos marginalizados da sociedade brasileira, pois conheceu a fundo esses meandros. De origem humilde, Silas Corrêa Leite foi aprendiz de marceneiro, tendo começado a escrever aos 16 anos, época em que também começou sua vida profissional como garçom, tendo sido engraxate, boia-fria e vendedor de doce de groselha.

Foi aprovado num concurso para locutor na Rádio Clube de Itararé e escreveu crônicas para o jornal O Guarani, daquela cidade.

Em 1970, migrou para São Paulo, onde morou em pensões, cortiços, passou fome e dormiu na rua. Já empregado, formou-se em Direito e Geografia, sendo especialista em Educação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, além de ter cursado extensões e pós-graduações nas áreas de Educação, Filosofia, Inteligência Emocional, Jornalismo Comunitário e Literatura na Comunicação, curso este que fez na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP).

Com tamanho histórico, nunca deixou de aproveitar a oportunidade para passar essa vivência aos livros que escreveu.

Por isso, este romance infantojuvenil constitui uma recolha de fragmentos de história oral que o autor ouviu durante os 22 anos em que atuou como professor de Geografia e História em aglomerados subnormais, ou seja, em favelas, agora chamadas de comunidades, como se comprova neste trecho:

(…) A vida lhe tirara tudo. E o pouco que restava ia também se desfazendo, ralando a relação, esticando o calibre de sua dor para a inevitável ruptura. É pela ferida que a dor entra na alma e produz monstros… ou liberdade expandida (…).

Em resumo: o romance começa e termina com acontecimentos narrados a um professor numa biblioteca pública de escola de periferia carente, lugar de trabalho que virou um confessionário de neuras e de traumas de infância. Até a descoberta do que seria um disco-voador pousado na Serra do Mar, a que Carlito seria abduzido, tendo sido submetido a procedimentos físicos e psicológicos de complexidade não-compreendida:

(…) Com o celular fervendo na mão viu um número que parecia ser de seu pai, mas não teve certeza. Estava meio bobo. Colocou o aparelho na mochila e se levantou para ver o maquinário interno e iluminado da Coisa. Um enorme CPU no ar interno de 360 graus? O ar de todo ambiente parecia uma ventoinha de ar, lux e som em 5D ou mais. Muito lindo aquilo. Amou. Adorou estar ali. Sentiu-se parte, feito um robô do filme Star Wars, o C-3P0 (…).

III

Nascido em Monte Alegre, hoje Telêmaco Borba, no Paraná, mas tendo vivido até a juventude em Itararé, na divisa entre os Estados de São Paulo e Paraná, Silas Corrêa Leite, além de contista, é poeta, romancista, letrista, professor, bibliotecário, desenhista, jornalista, ensaísta, blogueiro e membro da União Brasileira de Escritores (UBE).

Nos últimos tempos, lançou também Goto, a lenda do reino encantado do barqueiro noturno do rio Itararé (Florianópolis, Clube de Autores Editora, 2013), romance pós-moderno, considerado a sua melhor obra; Gute-Gute, barriga experimental de repertório, romance (Rio de Janeiro, Editora Autografia, 2015); Tibete, de quando você não quiser ser gente, romance (Rio de Janeiro, Editora Jaguatirica, 2017);  Ele está no meio de nós, romance (Curitiba, Kotter Editorial, 2018); O lixeiro e o presidente (Curitiba, Kotter Editorial, 2019), romance social; Lampejos, poemas (Belo Horizonte, Sangre Editorial, 2019);  Transpenumbra do Armagedon, ficção científica (São Paulo, Desconcertos Editora, 2021); Cavalos selvagens, romance imaginativo (Curitiba/Taubaté: Editora Kotter/Letra Selvagem, 2021);  e Favela stories, contos (Cotia-SP: Editora Cajuína, 2022).

Como poeta e ficcionista, consta de mais de cem antologias, inclusive no exterior, como na Antologia Multilingue de Letteratura Contemporanea, de Treton, Itália, Christmas Anthology, de Ohio, Estados Unidos, e Revista Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Seu texto “O estatuto do poeta” foi vertido para o espanhol, inglês, francês e russo.

Foi vencedor do Primeiro Salão Nacional de Causos de Pescadores/USP/Jornal da Tarde/Estadão/Parceiros do Tietê; premiado no Concurso Lygia Fagundes Telles para professor e escritor/Secretaria Estadual de Educação de São Paulo; Prêmio Biblioteca Mário de Andrade (Poesia sobre São Paulo)/Secretaria de Cultura de São Paulo, Prêmio Fundação Petrobrás de Contos, curadoria Heloísa Buarque de Holanda; Prêmio Simetria (Microconto) e Prêmio Instituto Piaget (Cancioneiro infantojuvenil), ambos em Portugal.

É autor do primeiro livro interativo da Internet, o e-book O rinoceronte de Clarice, que reúne onze ficções, cada uma com três finais, um feliz, um de tragédia e um terceiro politicamente incorreto, que virou tema de tese de mestrado na Universidade de Brasília (UnB) e de doutoramento na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi finalista do Prêmio Telecom, em Portugal, em 2007.

É autor ainda de Porta-lapsos, poemas (São Paulo, Editora All-Print, 2005); Campo de trigo com corvos, contos (Joinville-SC, Editora Design, 2007), obra finalista do prêmio Telecom, Portugal 2007, e O homem que virou cerveja, crônicas hilárias de um poeta boêmio (São Paulo, Giz Editorial, 2009), livro ganhador do Prêmio Valdeck Almeida de Jesus, Salvador-Bahia, 2009. Em 2022, lançou O menino que queria ser super-herói (Lisboa/São Paulo: Editora Primeiro Capítulo).

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A Coisa: muito além do coração selvagem da vida, de Silas Corrêa Leite. Cotia-SP: Editora Cajuína, 126 páginas, R$ 52,00, 2021. E-mail da editora: [email protected] E-mail do autor: [email protected] Site do autor: poetasilascorrealeite.com.br

 

Adelto Gonçalves é mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012),  Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: [email protected]]

 

 

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