Vida de índio | Boqnews

Opiniões

18 DE ABRIL DE 2013

Vida de índio

Por: Da Redação

array(1) {
  ["tipo"]=>
  int(27)
}

Bertioga recebeu,
neste final de semana, 160 índios de quatro etnias, sendo três do Mato Grosso e
uma do Maranhão, além da anfitriã Guarani, que habita quatro cidades da Baixada
Santista. Os anfitriões são os guaranis que vivem na Aldeia Rio Silveira, na
divisa de Bertioga com São Sebastião.

O Festival Nacional da Cultura Indígena é tradicional no
município, obviamente na semana em que se comemora o Dia do Índio. O tamanho da
festa depende da vontade política das autoridades locais e do desejo de dar
visibilidade às minorias. Atualmente, a festa anda bem magrinha e tímida,
coerente com as últimas pancadas que as nações indígenas têm tomado em diversos
lugares do país.

O Brasil possui cerca de um milhão de índios. São os
sobreviventes de um genocídio que vem ocorrendo desde o século 16, por razões
variáveis, nenhuma delas nobres, mas todas com um fundo econômico. Índios são
vistos como entraves à ganância, à ocupação, ao desenvolvimento e ao progresso.
A palavra varia conforme o período histórico e aos olhos e interesses de quem
analisa a questão.

A construção da Usina de Belo Monte, na região Norte,
mais a ocupação de um antigo casarão no Rio de Janeiro servem como termômetros
para indicar como as nações indígenas são tratadas num território supostamente democrático.

Índios, ainda que possuam direitos jurídicos, são
classificados como invasores, como sujeitos dependentes do Estado e inúteis
para uma economia selvagem e travestida pela retórica da produtividade. Parte
da imprensa, mesmo sem assumir de forma explícita, os coloca como vilões de um
fundo dramático financeiro, perturbadores da ordem, ignorando que todos os
caminhos de diálogo e de protesto foram esgotados.

Via de regra, as nações indígenas são vistas como
primitivas, como sinal de atraso diante do poder civilizatório do mundo urbano,
escravo da tecnologia e consumista. É claro que a turma do bem – agarrada nas
bíblias do politicamente correto – jamais utiliza o termo primitivo em público.
É papel dela fingir que defende as causas indígenas como sinal de compaixão e
apreço em prol dos desprotegidos.

A
contrapartida seria o silêncio indígena e a aceitação em viver em jaulas a céu
aberto, sob os olhos lânguidos do dominador solidário. Índios viveriam de
favor, sob a tutela do homem que os colocou sob um cabresto invisível e que
também determina quais as atividades econômicas serão adotadas pelos índios. Quem
escapa das reservas entra na lista da ingratidão, acusado de renegar sua
cultura e de cair na tentação de usufruir das benesses do homem da cidade. Condenado
por rejeitar o rótulo de infantilizado.

Os índios, neste sentido, não teriam direito
de escolha. Seria um intercâmbio cultural de via única, vamos dizer assim. Os
seres humanos – e autoproclamados evoluídos – podem explorar e se apropriar da
cultura material e imaterial indígenas. Quando os índios o fazem, sofrem o
estigma de quem renegou o próprio passado e a própria história. Ou são culpados
por doenças ou comportamentos desviantes levados pelo próprio homem que os
recrimina.

A
própria história brasileira, por si mesma, distorce o papel indígena na
construção do projeto Brasil. De cara, o discurso implícito de que o Brasil – e
não falo dos conceitos de nação ou de colônia – começou com a chegada do branco
português.

A
partir daí, um rosário de deturpações históricas, como a ideia de que os índios
não prestavam para a escravidão e, por conta disso, foram substituídos pelos
negros. Por conveniência, desconsideraram-se as dificuldades dos portugueses em
enfrentar as etnias indígenas, além dos múltiplos interesses econômicos e
políticos para a consolidação do tráfico negreiro em todo o mundo.

Sempre
desconfiei de datas comemorativas. Normalmente, reforçam a hipocrisia de se
preocupar com as minorias. Repetem-se os sorrisos de falso envolvimento, os
discursos de mudança e a promessa de políticas públicas.

Mas compreendo que tais datas podem também
servir para relembrar o quanto somos negligentes com quem nos forneceu uma das
bases de uma cultura tão profunda quanto diversificada. Da mandioca que
acabamos de almoçar aos nomes de várias cidades da região. Do hábito de tomar
banho diariamente à essência do conceito de preservação da natureza.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Notícias relacionadas

ENFOQUE JORNAL E EDITORA © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

desenvolvido por:
Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.