O número de mulheres que participam das funções na Guarda Civil Municipal de Santos (GCM) têm crescido ao longo dos 39 anos de atividades da corporação.
De 410 agentes ativos, 63 (15,37%) são mulheres, percentual similar ao encontrado na PM paulista (15%).
Todos passam por idêntico treinamento prático e teórico, incluindo o de porte de arma, e exercem funções administrativa interna ou operacional, nas Rondas Ostensivas Municipais (Romu Oswaldo Justo), canil, coordenadorias, programa Guardião Maria da Penha, Centro de Controle Operacional (CCO) e na base da corporação.
Aos 38 anos de idade e 14 de atuação na GCM, Thalita Ferraz se sente reconhecida e vê a igualdade entre agentes cada vez mais concreta.
“Sabemos que há estereótipos e estigmas sobre o trabalho da mulher. Ninguém nasceu guarda, mas juntas, igualmente, provamos ser extremamente capacitadas; e ao ocupar um lugar na coordenadoria percebo que esse reconhecimento está ganhando cada vez mais força. Hoje, se eu pudesse definir a minha função e toda a instituição em palavras, seriam ‘luta’ e ‘compreensão’ entre a equipe sem distinção de tarefas”.
Thalita atua junto com 130 outros agentes no patrulhamento da Zona da Orla.
As outras regiões são Zona Noroeste, Morros, Centro e Área Continental.
A guarda está em viaturas supervisionando pontos estratégicos à disposição do público, participa de ações de fiscalização e forças-tarefas, em ocorrências de crianças perdidas dos responsáveis e situações de furtos com ou sem flagrantes.
Humanização
De 2020 a 2024, a corporação atuou em 22.361 ações de segurança, como 1.076 ações preventivas; 1.378 forças-tarefas conjuntas em ferros-velhos visando combater a receptação de produtos ilícitos.
Além de 1.999 atendimentos de auxílio a pessoas em situação de risco e 3.103 ocorrências de perturbação de sossego.
A presença feminina tem sido também um fator positivo para a humanização do serviço e para estabelecer relações de confiança que deixem as vítimas mais à vontade para relatar situações de risco.
“A presença de mulheres não apenas promove a diversidade, mas também introduz perspectivas e abordagens diferenciadas na gestão e execução das políticas de segurança”, destaca a secretária municipal de Segurança, Raquel Gallinati, ela mesma a primeira mulher titular da Seseg.
“A participação feminina na GCM pode inspirar outras mulheres a ingressarem nas forças policiais, criando um ciclo virtuoso de maior inclusão e representatividade. Toda essa representatividade é vital para um atendimento mais humanizado e eficiente, beneficiando toda a sociedade”, diz.
“Investir na formação e na ascensão profissional das mulheres na segurança pública, é investir em um futuro mais justo e seguro para todos”, explica.
Maria da Penha
A presença das guardas tem destaque no programa Guardiã Maria da Penha, criado pela Prefeitura em 2019 para assegurar a integridade física e moral de vítimas de violência doméstica, protegendo-as dos agressores e garantindo o cumprimento de medidas protetivas.
O acompanhamento é realizado em visitas periódicas à casa das mulheres e contatos via telefone para certificar que as atendidas estão em segurança.
Na linha de frente do atendimento, as mulheres estabelecem uma relação de confiança para que a vítima se sinta segura ao relatar ameaças, problemas em casa e qualquer tentativa de aproximação que o ex-parceiro tenha feito durante o acompanhamento.
Com 35 anos de GCM, a inspetora-chefe Maria Barbosa acredita que a experiência como mãe e avó garantem mais sensibilidade para atuar no programa já há dois anos.
“O Guardiã Maria da Penha é um programa muito forte e que requer disponibilidade para diferentes situações. Quando há filhos na residência e a mulher se vê dependente financeiramente e psicologicamente do agressor, dividimos o trabalho de escuta imparcial com aconselhamento para que ela procure um serviço de assistência social”.
No exercício contínuo da atividade, a inspetora-chefe observa a evolução do atendimento.
“Há mulheres que nos acionam e iniciam a conversa mais reclusas, mas vão confiando cada vez mais em nossa figura e, no final, perguntam quando vamos voltar. Isso mostra que nosso trabalho de fato está sendo efetivo”, orgulha-se a servidora pública.
Guardião Maria da Penha
O programa Guardiã Maria da Penha é resultado de parceria entre a Coordenadoria de Políticas para a Mulher (Comulher), da Secretaria da Mulher, Cidadania, Diversidade e Direitos Humanos (Semulher), Guarda Civil Municipal, da Secretaria Municipal de Segurança (Seseg), e Ministério Público de São Paulo.
Assim, em 2023 realizou 118 assistências, enquanto de janeiro a julho deste ano, contabiliza 203 mulheres assistidas.
Desde a criação, há cinco anos, ocorreram 861 processos de atendimento.

Tendo à frente pela primeira vez uma mulher, a delegada Raquel Gallinati, o efetivo feminino da GM tem crescido nos últimos anos. Foto: Divulgação/PMS
Dama de Ouro
No fim da década de 1980, a então adolescente Nizete Mauricio se encantou pela série policial de TV Dama de Ouro, que tinha como personagem principal a detetive Katy Mahoney.
“Ela era terrível de boa e não tinha como não ser incentivada por aquele exemplo. Era um desejo meu vestir uma farda e trabalhar pelo melhor”, diz aquela que hoje, como inspetora-chefe e já uma veterana, soma 38 anos na GCM.
Atualmente, Nizete cuida do canil da Guarda.
Assim, tem como ‘parceiro’ o border collie Ozzy, de 3 anos, no programa de cinoterapia – terapia com cães em escolas, clínicas e asilos.
O método está presente em clínicas e asilos para tornar o tratamento de pacientes mais leve.
Além disso, de contribuir em funções motoras, fala, sociabilização, confiança e autoestima.
Em escolas, o plantel da GCM faz show dog (exibição) e agility, utilizando obstáculos para saltos e passagens por túneis, por exemplo.
A inspetora-chefe se apresenta como testemunha da transformação que seu trabalho leva aos assistidos do programa.
Em uma rotina dividida em treinamentos, patrulhamento e apresentações, Nizete afirma que o dia a dia é terapêutico para ela.
“Sempre gostei de trabalhar fardada. Há quatro anos chego às cinco da manhã no canil para treinar e brincar com os meus colegas de trabalho de uma forma totalmente satisfatória”.
“Não tenho cansaço para os cães da GCM e sou apaixonada pela evolução que eles trazem a mim e a quem precisa”.
Parceria
Durante 34 anos, a guarda Edla Gomes, 58, atuou dia a dia no operacional da corporação, em equipamentos municipais, nas praias e viaturas.
A adrenalina é bem diferente da rotina do setor administrativo.
Lá, monitora a frequência dos guardas, organizar escalas, escrever relatórios e boletins de ocorrências para cadastrar no sistema.
“Somos uma enorme família que constrói diariamente uma nova história; temos orgulho de vestir esta farda e de tudo o que já conseguimos solucionar com ela. Não ouvimos mais que o nosso trabalho é apenas lavar a louça. Hoje, se eu pudesse nos definir em três palavras, seriam ‘união’, ‘força’ e ‘raça’, mesmo em dias desafiadores. Hoje eu estou mais sossegada, mas é porque sou experiente, né?”, brinca Edla.
Fazendo História
Há 30 anos, Maria Cardoso, 58, a Inspetora Auxiliadora, se tornou a primeira mulher a integrar a Ronda Municipal (ROMU).
Hoje, na função de comandar guardas e repassar conhecimentos, ela reflete sobre os desafios em uma profissão composta majoritariamente por integrantes masculinos.
“Há três décadas, a gente ouvia e estava vulnerável a muita coisa. Era fácil notar o estranhamento ou aquele pensamento machista de que eu era incapaz. Eu era a única em operação na ROMU, mas consegui provar que uma mulher pode se destacar no mesmo serviço que um homem apenas amando aquilo o que faz. Eu amo ser prestativa e estar na rua para trabalhar”.
A melhor lembrança da atuação nas ruas é de um parto que ajudou a fazer.
“A gestante estava com contrações, no terminal rodoviário do Valongo, e eu voltando fardada do trabalho. Como guarda, não hesitei em verificar os batimentos cardíacos, começar a contagem de contrações e cobri-la com um casaco de uma das pessoas que estavam no local. Quando a criança nasceu, não contive a emoção como mulher. Hoje, a ‘bebê’ tem 23 anos, se chama Vitória e mantém contato comigo sempre com muita gratidão ao trabalho da GCM”.
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