Ludis Iungit, ou “o esporte une”. Trata-se do lema básico do Panathlon, entidade sem fins lucrativos que surgiu na Itália com o intuito de reunir e congregar pessoas por meio do esporte e do jogo limpo (fair play). O ideal do clube se espalhou pela Europa e transcendeu o Velho Continente. Chegou a Santos em 1988, trazido por representantes das unidade paulistana — a primeira do Brasil — e campineira da entidade, e desde então, trabalha no apoio ao esporte, essencialmente amador e educacional, na Cidade e na própria Baixada Santista.
Um trabalho que, como explicaram os representantes do Panathlon Clube de Santos que visitaram a redação do Boqnews na última quarta-feira (17), tem como desafios olhar e apoiar o cada vez menos atentado esporte amador local, e fazer isso a partir de um serviço voluntário. “Nós já chegamos a ter 80 sócios. Se você considerar a população de Santos, estávamos proporcionalmente a frente de São Paulo e mesmo de algumas unidades da Itália, onde praticamente todas as cidades contam com um Panathlon”, conta Elny Abdelaziz Alves de Camargo, um dos sócios-fundadores do Panathlon Santos e treinador de nadadores que estiveram nos Jogos Olímpicos de 1952 e 1956.
Atualmente, a entidade conta com 30 associados, sendo 26 pagantes. No entanto, a principal preocupação está em que os sócios participem dos encontros. “O Panathlon é um clube de ideias, cuja existência não está na dependência das contribuições financeiras, mas na física e mental, e do trabalho voluntário. É dedicar alguns instantes do tempo para isso, algumas horinhas no mês”, enfatiza Elny, que aos 83 anos, é quase que o “porta-voz” dos representantes. “Quando temos evento e chamamos nossa rede de contatos, somos muito abraçados. O desafio é fazer com que as pessoas compareçam no dia-a-dia, nos convívios, para discutir os assuntos. Fazer disso uma das prioridades” complementa o vice-presidente Wagner Bessa Teixeira.
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Da esquerda para a direita, Wagner Teixeira (vice-presidente), Carlos de Carvalho (secretário e tesoureiro), Marcus Antônio Calçada (sócio), Carlos Alberto Rodrigues “Cadinho” (sócio) e Elny Abdelaziz Alves de Camargo (sócio-fundador): Panathlon busca resgatar importância do esporte amador e participativo na Cidade |
Hoje, o Panathlon realiza dois projetos voltados à integração do jovem com a prática desportiva educacional. Um deles é o “Venha Brincar Conosco No Clube”, que ocorre em outubro, uma semana após o Dia das Crianças, e consiste em levar crianças de obras assistenciais para um dia de atividades no Clube de Regatas Saldanha da Gama. No primeiro semestre, desde 2009, a entidade promove o “Vamos Brincar Com Vocês”, em que os membros “levam” o dia de atividades para as áreas necessitadas. Em 2009, por exemplo, o evento ocorreu em Santa Cruz dos Navegantes, e em 2010 foi levado a uma escola de Cubatão. Neste ano, especificamente, não houve o projeto devido à realização do Congresso Nacional do Panathlon na Cidade, em abril.
Outro trabalho do Panathlon consiste em apoiar os eventos e atividades desportivas realizados em Santos e região. “Nos Jogos Abertos do Interior do ano passado, em Santos, planejamos dar um troféu e um diploma à cidade de melhor fair-play. Mas seria um critério difícil, teríamos que acompanhar todas as disputas e não tínhamos como fazer isso”, recorda o sócio-fundador. Então, o grupo arranjou uma saída. “Santos já teria padecido nestes Jogos por falta de pista e de instalações para acomodação dos atletas. São Vicente cedeu escolas para receber os esportistas e Praia Grande cedeu sua pista de atletismo. Atitudes de cidades-irmãs merecedoras de homenagens. Então demos o troféu fair-play a Praia Grande e o diploma a São Vicente”, conta Elny.
Para o futuro, a entidade quer voltar com o Mérito Panathlético, premiação concedida aos melhores atletas de cada modalidade amadora na Cidade, mas cuja realização foi dificultada, segundo Elny, pela falta de apoio das próprias ligas. “Muitas já nem existem mais, e mesmo quando existiam, poucos se preocupavam em nos encaminhar os resultados”, lamenta ele, um dos sócios-fundadores do clube em Santos. O prêmio, aliás, já foi dado a atletas conhecidos. Em 1999, por exemplo, o craque santista Neymar, artilheiro da categoria Mamadeira/Iniciante II do futsal de Santos, quando defendia a Portuguesa Santista. Ou o goleiro Felipe, campeão paulista pelo Peixe em 2010 e hoje emprestado ao Avaí, um dos goleiros menos vazados do time Mirim do Santos naquele ano.
Participativo
A defesa do amadorismo no esporte não é um processo simples e encontra resistência em um cotidiano em que o resultado nas quatro linhas, nas pistas ou na água está acima de tudo. “O individuo já entra numa escolinha para ser um Thomaz Koch, um Guga, um Robinho… Deixamos de ter aquela paixão pelo amadorismo. Passamos a entender que só se atinge alto nível no profissionalismo. Até uma certa fase, é um processo que a gente entende. Mas quando começa a aparecer aquela coceirinha no pai, para que o filho vá para um Real Madrid ou para a NBA, a coisa muda de figura”, reflete Elny, que foi professor no Colégio dos Andradas e do curso de Educação Física do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte).
“A gente têm carregado a bandeira do esporte educacional antes do competitivo. Muitos pais e treinadores exacerbam a competição, até por serem cobrados por isso, tanto por seus chefes como pela própria sociedade. Mas no dia-a-dia com a criança, a gente preconiza que o esporte seja possível a todos, que se proporcione a vivência de todas as modalidades”, complementa Wagner Teixeira — que, inclusive, foi aluno de Elny na faculdade de educação física. Vivência essa, aliás, muito comum no passado, e que faz parte da pouca difundida categoria do esporte participativo, no qual a criança é levada a descobrir, aos poucos, os diversos esportes e conhecer onde pode ter mais aptidão ou gosto.
E a porta de entrada para qualquer esporte, de acordo com Elny, é o atletismo. “Não tem como não trabalhar na iniciação esportiva sem o atletismo. Ninguém vai jogar bem futebol, vôlei ou basquete se não souber correr, saltar ou lançar”, resume o ex-professor, recorrendo ao exemplo de um candidato a jogador de futebol pelo São Paulo, de nome Bento, que apesar da boa técnica, era lento.
“O treinador sugeriu que ele procurasse um professor de atletismo. O São Paulo perdeu um ponta, mas o Brasil ganhou um campeão sul-americano de 100 metros rasos”, recorda. “Todos os anos nós realizávamos um torneio chamado Adhemar Ferreira da Silva. Montava-se a pista com marcação na própria areia, espaço para arremessos, pista para saltos em distância e em altura. Tudo na praia. E não se vê mais o pessoal fazer mais nada disso”, lamenta.
Parte da nova geração de esportistas e educadores físicos, Teixeira avalia que os passos pró-esporte de participação, bandeira do Panathlon, ainda são graduais, mas já começam a ser dados. “Já se vê pessoas baterem mais na tecla do vivenciar a cultura corporal do movimento na educação física. Na graduação, os professores têm se esforçado para despertar essa consciência no acadêmico”, avalia.
“Ainda não mudou como deveria, mas a postura, pouco a pouco, está sendo repensada. E a própria sociedade está se atentando. O aluno às vezes já procura por outra coisa que não, por exemplo, o futebol, e mostra essa vontade. As crianças amadurecem cada vez mais cedo, e este despertar da consciência (sobre o esporte de participação) será poderá ser cada vez mais natural, se a conscientização ocorrer”, complementa.
Grandes destaques esportivos de Santos, pontuam os panathletas, foram justamente frutos do esporte participativo. “Tivemos um Oscar da Cunha Pinheiro, que com 1,70 metro foi um dos melhores jogadores de voleibol da América do Sul. E era também um dos melhores no salto em altura, além de jogar basquete muito bem e ser um dos bons do tamboréu em Santos. Ou um Adalberto Mariani, mais veloz nadador do Brasil, um dos melhores do basquete em São Paulo e um grande jogador de pólo aquático. Era comum ver nos Jogos Abertos o atleta que participava de modalidade individual e não conseguia índice, buscar esse índice em outro esporte”, recorda Elny.
Abertos
Os Jogos Abertos, aliás, estão longe de seus preceitos, na visão do mais experiente panathleta de Santos. “No regulamento, é dito no primeiro artigo que o evento deve congregar as cidades e proporcionar a revelação de valores. Mas não é possível fazer como hoje, com equipes contratadas e de muitas altíssimo nível, que atuam em campeonatos profissionais. Daí Santos leva uma equipe feminina formada aqui para jogar contra as profissionais de Piracicaba no basquete e leva de 88 a 2. Que motivação há nisso?”, questiona.
Trazer atletas de ponta para representar a Cidade no evento, aliás, é algo que gera constantes contestações. No passado, não era diferente. No entanto, recorda Elny, a vinda da seleção mineira de basquete para Santos, na década de 50, e de jogadores de voleibol que, mesclado com santistas, tornaram o Santos Futebol Clube a potência nacional da modalidade, se deu de forma distinta a de outros casos.
“O pessoal que veio de Minas prestou concursos de engenheiro, dentista, administrador de empresas. Eles passaram e, após a carreira, continuaram aqui. Se tornaram parte da Cidade, se envolveram. É diferente, por exemplo, de quando trouxeram a Gisele Miró, número 1 do tênis no Brasil e campeã dos Jogos Pan-Americanos, para jogar por Santos (1988) e ela perdeu a partida por W.O. porque não sabia sair do hotel e chegar na quadra. Esse tipo de contratação é a que nada traz à Cidade e ao esporte”, conclui.