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06 DE MARÇO DE 2009

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Hora da independência

“Que comece a festa! Quem será o primeiro rapaz a tirar a moça para dançar?”. É assim que o apresentador dá início a um baile em um ponto de Santos. Curiosamente, quem faz o primeiro convite é justamente uma das mulheres presentes, para incentivar que os homens fizessem o mesmo com as companheiras, que estavam […]

Por: Da Redação

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“Que comece a festa! Quem será o primeiro rapaz a tirar a moça para dançar?”. É assim que o apresentador dá início a um baile em um ponto de Santos. Curiosamente, quem faz o primeiro convite é justamente uma das mulheres presentes, para incentivar que os homens fizessem o mesmo com as companheiras, que estavam em esmagadora maioria no recinto.

A cena, com rapazes envergonhados e mulheres decididas, não é tão rara como outrora,  mas surpreende por se tratar de um baile da terceira idade, onde se imagina que os papéis devessem ser inversos. Com isso, em meio a mais uma comemoração do Dia Internacional da Mulher que ocorre neste domingo (8), fica clara a existência de uma senhora livre, desimpedida e que deseja aproveitar a vida.



O perfil de boa parte dessas mulheres da terceira idade, segundo o mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor da Universidade Santa Cecília, Carlos Alberto Moraes, é o de uma senhora viúva, com filhos e netos criados, em situação estável e livre. “As mulheres vivem cerca de seis anos a mais que os homens, isso é cientificamente provado. E quando ficam sozinhas, há o pensamento de fazer o que de fato se quer, sem se preocupar com outras coisas com a qual passou a vida ligada. É o momento dela”, conta.
Regina (nome fictício), 71 anos e aposentada, encaixa-se bem no perfil da senhora que deseja aproveitar a vida. Apesar de ter ficado viúva cedo, com cerca de 30 anos de idade, teve que criar três filhos pequenos. Chegou a namorar, mas não firmou uniões mais estáveis.

Hoje, os rebentos já têm entre 43 e 50 anos, o que ratificou de vez sua possibilidade de liberdade. Além de viver por conta própria, em prédio na Zona Leste de Santos, Regina tem o costume de sair em grupos de amigos e amigas em situações semelhantes para conversar ou, ainda, em excursões para outros lugares.

Admite pessoalmente não ser muito fã dos bailes, mas comemora a presença massiva de senhoras nessas festas. “Acho muito bonito que elas se permitam conhecer gente nova, festejar, se esbaldar. Elas não só podem como devem aproveitar. Estão vivas e, se os hormônios estiverem bem, podem fazer o que desejam”, salienta.

A realização de festas desse tipo – e, mais precisamente, a possibilidade de interação para aqueles que estão na terceira idade -, aliás, é uma obrigação legal, segundo o Estatuto do Idoso, que determina que o Poder Público, a sociedade, a comunidade e a família assegurem a efetivação do direito a, dentre outras coisas, ao lazer e à convivência comunitária.

“A obrigatoriedade do direito ao acesso a locais atividades que promovam essa interação, como os bailes e os centros de convivência, podem ajudar a desmitificar a imagem de que o idoso deve ficar só enclausurado em casa. Tanto  que é muito significativa a quantidade de senhores e principalmente senhoras que comparecem a esses eventos, o que evidencia essa vontade de viver”, define Moraes.

Apesar disso, Regina admite um ponto que, por receio, ainda evita que muitas mulheres de sua faixa etária — e até mais jovens — sejam ainda mais livres no que diz respeito à sociedade: a necessidade de se ‘zelar’ pelo nome. “Embora se tenha consciência de que a saída que se vai fazer é para tomar uma cerveja, ou mesmo que seja para conhecer gente nova, acaba-se tendo que dar um recadinho ao vizinho ou ao porteiro, para evitar maiores problemas, com boatos desagradáveis. A discrição ainda deve ser priorizada, apesar de que, com o tempo, isso tenda a ficar mais controlado”, diz a aposentada.

Sexo
O desejo de maior liberdade no que diz respeito ao sexo feminino, foi reprimido durante a vida, por fatores culturais, educacionais e sociais, acaba se expandindo justamente no momento em que a mulher se vê livre das amarras da vida. Então, uma das questões que mais são atenuadas é, curiosamente, a sexual: “Pode não parecer, mas os idosos gostam muito de falar sobre isso e com a mulher, não é diferente. Hoje, a idosa já se dá mais o direito de poder aproveitar e o sexo é parte desse proveito”, explica o professor.

A informação de Moraes tem razão de ser. Afinal, o assunto foi o tema de sua dissertação de mestrado, quando investigou a percepção da sexualidade feminina no envelhecimento em um grupo de 20 mulheres com idades entre 51 e 80 anos, utilizando cinco variáveis: amor, fantasias sexuais, preconceito, erotismo e vaidade. Dentre suas análises, curiosamente, foram as quinquagenárias que demonstraram maior resistência ao assunto, enquanto as octagenárias, por exemplo, admitiram manter o desejo sexual.

Na visão do mestre em Gerontologia, isso se deve a uma ‘crise’ pela qual passam mulheres quando estão próximas dos 50 anos (e mesmo quando na faixa dos 40, pelo que indica Moraes). “Nesse período, elas vivem um momento confuso, sabendo que não tem o corpo atraente de antes e ficando sem saber o que fazer. E vale dizer que o corpo é uma parte muito importante e delicada para a mulher”, explica.

As informações se confirmam na conversa com Regina. Ela revela, por exemplo, que, em seu grupo de amigas, todas com idade acima dos 55 anos, películas com cenas ardentes estão entre as mais assistidas. “Noto bastante que há um gosto elevado por filmes de sexo, mas não apenas os eróticos, onde a libido é mais controlada, mas os de pornografia evidente. E elas comentam o que assistem, dizendo o que gostaram, do que tiveram nojo e o que mais chamou a atenção”, conta.

Alertas
A busca pelo resgate da liberdade também tem seus percalços. No que diz respeito à sexualidade na terceira idade, segundo dados do Boletim Epidemiológico DST/Aids-2008, divulgados pelo Ministério da Saúde, a incidência da Aids em pessoas com mais de 50 anos passou de 7,5 por 100 mil habitantes, em 1996, para 15,7 casos para o mesmo número de brasileiros, em 2006. Além disso, menos de 20% dos entrevistados declararam usar preservativo.

Regina revela que, entre seus amigos homens, o termo “camisinha” é visto como uma afronta, por questões culturais, educacionais e mesmo de virilidade. “Muitos sabem que, depois de determinada idade, manter a ereção é difícil, o que dificulta, inclusive, a colocação do preservativo. E para evitar uma ‘vergonha’, eles preferem negar o uso, o que é errado, haja vista o crescimento da incidência da AIDS e a menor resistência a enfermidades de pessoas mais velhas”, diz.

Outro ponto que pode ser alertado é o psicológico,  que varia de mulher para mulher e principalmente, de cultura para cultura. “Muitas senhoras não estão preparadas para se esbaldar como desejam e, enviuvadas, livres e soltas, acabam avançando o sinal e se enlouquecendo. É necessário observar”, resume o professor Moraes.

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