Nem todos se lembram, mas 20 de junho marca o Dia Mundial do Refugiado, instituído há 20 anos pela resolução 55/76 da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU).
A celebração é marcada por uma variedade de eventos e ocorre em mais de 100 países, envolvendo funcionários de governos, voluntários e trabalhadores que atuam em frentes de ajuda humanitária, além de civis e das pessoas expulsas ou exiladas de sua terra natal.
Dedicado à conscientização sobre a situação dos refugiados em todo o mundo, este dia muitas vezes passa despercebido pela sociedade, assim como ocorre com os homenageados pela data.
E em um momento de crise global que está agravando os problemas socioeconômicos de diversos países, a situação deve ser discutida novamente e voltar à pauta internacional.
“Hoje, os refugiados enfrentam três grandes problemas. Além de estarem expostos ao novo coronavírus em locais onde o distanciamento social é algo raro, lutam contra as instabilidades socioeconômicas e, agora, com as restrições de fronteiras, que foram impostas por mais de 150 países para conter o avanço da pandemia”, explica o jornalista André Naddeo, voluntário que atua em campos de refugiados na Europa e na América do Sul.
Projeto
Um dos coordenadores do projeto Planeta de Todos, que oferece assistência sociocultural, moradia, educação básica e auxílio no processo de asilo e documentação legal para refugiados em vulnerabilidade, Naddeo alerta, ainda, para o impacto que a pandemia terá nos repasses financeiros, que são fundamentais para manter o auxílio aos refugiados em todo o mundo.
“Desde o início da crise, muitos aportes já foram perdidos”, avisa.
A ONU também se mostra preocupada com a situação. Em comunicado divulgado no início de junho, o secretário geral da entidade, António Guterres, disse que a disseminação do vírus agravou a xenofobia, o racismo e a estigmatização.
“É preciso uma mobilização mundial perante a pandemia para respeitar os direitos humanos e os princípios internacionais de proteção, mesmo com as restrições sanitárias”.
Dificuldades amplificadas
Oriento do Afeganistão, Haji Karmal ( o nome fictício é por questões de segurança) é uma das muitas pessoas que estão no meio dessa crise.
Ao lado do pai e de duas irmãs mais novas, ele vive hoje na região de Moria, na ilha grega de Lesbos, às margens do mar Egeu, aguardando a resolução das autoridades sobre o asilo político da família.
Apesar das características que lembram um destino turístico famoso, o local é considerado crítico, já que se tornou um dos principais vilarejos de refugiados da Europa, com condições sanitárias precárias e moradias que lembram as favelas brasileiras.
Haji deixou o país natal para se proteger, já que os constantes conflitos civis e militares no Afeganistão ceifam inúmeras vidas todos os anos.
Após passar por Irã e Turquia, estava há quatro meses no campo de Moria, quando a crise do novo coronavírus explodiu. Então, carros de som começaram a passar o tempo todo orientando os refugiados, indicando isolamento, uso de máscaras e circulação controlada pela polícia grega. Quem não cumprisse as normas, poderia ser multado em até € 150 e, em casos graves, até preso.
“A administração do campo tomou muitas medidas de segurança e praticamente bloqueou o acesso de voluntários. O tempo todo, ressaltava as recomendações sanitárias, como se nós não soubéssemos o que está acontecendo no mundo. Todos pensavam: temos outros problemas aqui, muito maiores que um vírus que nem havia chegado a Moria, se é que iria chegar. O estresse diário já era o bastante”, conta Haji.
Mais sofrimento
Mas o vírus chegou e alterou ainda mais a rotina sofrida do local.
“Com a Covid-19 em circulação, tínhamos que nos aglomerar para receber as refeições. Mesmo com a falta de água, tínhamos que seguir as determinações e lavar as mãos pelo menos oito vezes por dia. Isso sem a mínima segurança, já que as autoridades deixaram de cumprir algumas tarefas por medo de contaminação. Era surreal”, relata.
Mesmo com a curva de contágio em queda na Europa, os campos de refugiados seguem em monitoramento, com seus moradores encarando dia após dia os medos impostos pelo exílio e, agora, pela Covid-19.
“Já estávamos e seguimos vivendo uma catástrofe global, por mais que alguns resistam em dizer que está tudo bem. Não está”, diz Haji.