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Nacional

29 DE JANEIRO DE 2010

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Primos pobres e ricos do Caribe

O terremoto que acometeu o Haiti há quase três semanas colocou no centro da atenção mundial um país sofrido que já foi a segunda economia das Américas no passado, mas, em razão disto, vem pagando um alto preço ao longo de sua independência. No início, foi o boicote interposto pelas nações ao longo do século […]

Por: Da Redação

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O terremoto que acometeu o Haiti há quase três semanas colocou no centro da atenção mundial um país sofrido que já foi a segunda economia das Américas no passado, mas, em razão disto, vem pagando um alto preço ao longo de sua independência.

No início, foi o boicote interposto pelas nações ao longo do século 19 em razão da sua liberdade prematura. A situação não melhorou no século seguinte, quando foi  vítima de governantes corruptos e assassinos como François Duvalier (o Papa Doc), eleito em 1957 e que governou com mão-de-ferro até sua morte, em 1971.

Seu filho, Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, governou da mesma forma até 1986. Ambos foram  responsáveis em matar o seu próprio povo para garantir a manutenção da ditadura e deixaram um legado negativo que se aprofunda no século 21, ainda mais após a tragédia do dia 12 de janeiro.

O Haiti foi a segunda república (atrás dos Estados Unidos) a conseguir sua independência, em uma luta de classes entre 1794 e 1804. Em troca, a França, sua colonizadora, obrigou os haitianos a pagar uma compensação financeira pela liberdade. A fatura foi paga durante um século.

Os resultados da liberdade, porém, foram piores do que imaginavam os haitianos. Temendo que a onda de libertação invadisse as terras exploradas pela Espanha, França, Holanda e Portugal nas Américas, tais países – algumas das principais potências mundiais da ocasião – simplesmente fecharam as relações comerciais com o Haiti, especialmente na compra de açúcar, produto de elevado valor à época e principal fonte de renda.

Não bastasse, os negros haitianos, libertos do trabalho escravo, deixaram de lado a agricultura, alterando profundamente as relações econômicas daquele país caribenho.

De lá para cá, as tragédias – naturais, políticas e econômicas – se repetiram até chegar ao terremoto que dizimou a vida de algumas dezenas de milhares de pessoas, não só haitianos, mas de outras nacionalidades, inclusive brasileiras, que estavam à frente da força de paz implantada pela Organização das Nações Unidas – ONU desde 2004.



Êxodo
Toda esta história vem sendo retratada pela mídia. O que é pouco difundido é que a tragédia poderia ser ainda maior, caso milhares de haitianos ainda vivessem em seu país. E como dois povos que vivem em uma mesma ilha tiveram destinos tão distintos ao longo de sua história.
Separadas por montanhas e planícies, a vizinha República Dominicana (RD), que não sofreu impactos com o terremoto, é considerada  a ‘prima rica’ da ilha de Hispaniola, que abriga os dois países banhados ao sul pelo Caribe. E, a exemplo do que já ocorria antes, tem sido a ‘válvula de escape’ para milhares de haitianos.

Não que a RD seja uma potência econômica (também foi vítima de ditadores e guerras internas pelo poder), porém em relação ao país vizinho ela acaba se destacando. Enquanto o Haiti  tem uma renda per capita de U$ 1.300, nela atinge-se R$ 7.400, um verdadeiro abismo entre dois hermanos. (A do brasileiro chega a U$ 9.400). Além disto, o território dominicano é quase o dobro do haitiano.

Isto explica o porquê da RD abrigar, de forma legal ou ilegal, cerca de 1 milhão de haitianos, equivalendo a quase 10% de toda a população da prima rica. Os legalmente instalados trabalham em hotéis (a rede hoteleira da RD está em franca expansão.

Apenas em Punta Cana, no extremo nordeste do país, um dos principais roteiros turísticos internacionais da atualidade, são 62 resorts em 40 quilômetros de praias. E a construção civil reflete os sinais desta expansão, movimentando as indústrias (que são poucas) e o comércio. Já os ilegais entram no país para trabalhar na agricultura, como no corte de cana, e quando o serviço acaba não retornam  ao país de origem, permanecendo na ilegalidade. 

Em um resort em Punta Cana,  16 dos 200 funcionários são haitianos. Alguns tiveram dificuldades em saber detalhes sobre parentes, especialmente os que viviam em Porto Princípe, capital do Haiti, o epicentro da tragédia. Por sorte, a maioria soube que seus familiares sobreviveram.

O garçom Patrick, 32 anos, estava trabalhando quando ouviu as primeiras notícias da catástrofe logo depois do episódio (o governo da RD decretou estado de alerta máximo para o risco de um tsunami, fato que, felizmente, não ocorreu. Um novo terremoto voltou a se repetir no dia 20, quando houve estado de alerta durante 45 minutos, em razão de um novo terremoto, de 4,5 graus no Haiti).

Desesperado, tentou retornar para Porto Princípe em busca da  esposa e filho. Conseguiu atravessar a fronteira no dia seguinte.

– Gracias a Dios, como ele diz, adaptado ao espanhol, língua oficial da RD. Ele sorri com o fato de ambos terem sobrevivido, assim como sua mãe, residente ao norte do Haiti. Mas, emudece em relação a amigos que nunca mais verá.  Seu filho tinho ido à escola pela manhã, antes da tragédia. As crianças do período vespertino não tiveram a mesma sorte. A escola ruiu sobre elas.

Após uma viagem superior a 8 horas, conseguiu chegar à divisa da ilha. Com o passaporte na mão e a garantia de um emprego no ‘primo rico’ passou pela fronteira sem problemas onde pode retornar à RD com a esposa e o filho, deixando-os em São Domingo, capital dominicana, onde há a maior concentração de haitianos.

Na fronteira

Porém, a tragédia tem provocado alterações em ambos os países. No entanto, pouco afeta o  interesse e a vida dos dominicanos sobre o assunto (excluindo o noticiário da TV ).

Em Santo Domingo, capital dominicana, a vida continua normalmente, com seu trânsito caótico e vendedores pelas ruas oferecendo produtos aos turistas, que lotam os hotéis de Punta Cana, distante 200 quilômetros da capital, provenientes, em especial do Canadá (40% do total), Rússia, Alemanha, Portugal, Estados Unidos. (Com o dólar estável, os brasileiros começam a encontrar este novo destino turístico, se destacando entre os sul-americanos, mas bem distantes, em números, dos europeus e canadenses).

Apesar desta sensação de indiferença, o governo do ‘primo rico’ tem sentido os efeitos do episódio, especialmente entre os que moram na fronteira.

Entrevistado pelo canal CNN (em espanhol), o presidente da República Dominicana, Leonel Fernandes, disse que todo o atendimento médico aos haitianos está sendo feito, porém não deixou claro se, após o tratamento, estas pessoas retornariam ao país de origem ou poderiam permanecer na RD. “Cada caso será analisado de forma individual”, disse à repórter.

No noticiário local, cidades próximas à divisa com o Haiti têm sofrido a invasão de traficantes de haitianos que transportam os ‘primos pobres’ alegando que sofreram ferimentos em razão do terremoto, mas que tudo não passaria de uma farsa.

Os hospitais destas localidades já atendem muito mais haitianos, vítimas da tragédia, que os próprios domenicanos. Além disto, a imprensa noticia denúncias da Unicef de que crianças haitianas estão sendo seqüestradas para adoção na República Dominicana, assim como no tráfico de órgãos. E há o risco real de adolescentes serem  usadas por traficantes para se prostituírem no país vizinho ou irem para a Europa.

A questão será: qual o futuro destes haitianos? Como controlar esta situação? Os haitianos retornarão ao seu país destruído ou poderão permanecer nem que seja na senzala do primo rico? Indagações que colocam em conflito as relações destes vizinhos, tão próximos geograficamente, mas tão distantes financeiramente.

Em abril, a República Dominicana sediará a Cúpula Mundial pelo Haiti, para apresentação dos planos consolidados de apoio ao Haiti. Os resultados ainda poderão ser analisados na cúpula UE-Mercosul, prevista para 16 a 18 de maio. Até lá, os haitianos continuarão aguardando por soluções. Será que aguentarão esperar durante tanto tempo?


 

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