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Literatura

26 DE OUTUBRO DE 2016

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A Legião Estrangeira

O colaborador tenta encontrar nas histórias e estórias, nos contos e encantos dos escritos de autores o que os levou a escrever determinados textos, suas influências e contextos históricos

Por: Da Redação

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“Você ao menos podia me contar

Uma estória romântica”

(O Nosso Amor A Gente Inventa, Cazuza, Polygram Discos, 1987)

 

“Ética: O imperativo categórico,

e como fazer com que ele funcione a seu favor.”

(Cuca Fundida, Woody Allen, 7ª Edição, Tradução Ruy Castro,

Editora LPM, Porto Alegre e São Paulo, pág. 71,

no conto ‘Como Realfabetizar um Adulto’, 1987)

 

Não sei como veio parar na estante da garagem, onde compilo todos os livros que possuo, um exemplar do livro de Clarice Lispector (A Legião Estrangeira, 6ª Edição, Editora Ática, São Paulo, 1987). E não é o primeiro livro que vejo anotado o seu nome. Em A Solução paro a leitura e resolvo perguntar se alguém a conhece, até por que li quase todas as histórias desse livro na edição de A Felicidade Clandestina (3ª Edição, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1981). Escrito a caneta na segunda página está: Regina Maria Oki do Carmo. Minha mãe diz que pelo sobrenome é de alguma “sansei” – uma brasileira. No livro, percebo, nas ‘entrelinhas’, como se refere à própria Clarice, que Regina era estudante do Martim Afonso, em São Vicente. Não, não me lembro de conhecê-la.

Estranho os destinos dos livros. Neste, além das páginas surradas e amareladas pelo tempo, encontro um colante pequenino da Moranguinho e Sua Turma. Envolto e ‘guardado’ pelo livro, um ‘Suplemento de Trabalho’ e uma página de caderno com palavras escritas e seus significados. No cabeçalho do ‘Suplemento’ e do caderno o nome de Regina e a turma na escola de São Vicente. Percebo que algumas palavras estão sem os significados. Fico com vontade de preenchê-las, como se voltasse à década de 80 e estivesse naquela escola e não queria entregar o trabalho para a professora incompleto. Pois é, no caderno consta uma data dos anos 80 e o único amigo que conheci e que estudou naquela escola, acho, é o Davi Nortes Souto.

Estranho os destinos dos livros. Quando consigo algum dinheiro – por má-fé e crueldade dos imbecis e criminosos não o tenho com frequência para a satisfação de meus desejos mais simples – costumo caminhar sem rumo definido. Estes são os momentos mais felizes que costumo ter. Não sei por que ‘cargas d’água’ nas minhas andanças do pensamento me deparo quase sempre na porta de alguma livraria ou de algum sebo. É nesse momento que me refaço e alimento meu espírito humano. Compro livros que me olham e que gostam de mim.

Sinto falta de alguns livros do passado. Há dois dias me encontrei com um médico ou terapeuta – não sei na realidade sua profissão – no prédio em que vive minha filha. Sei que seu nome é Ricardo. Toda vez que eu vejo um Ricardo me lembro de um livro com o título de Ricardo Coração de Leão, que li em fins da década de 70 ou no início de 80 – ou sei lá quando… Não, não me lembro do autor, que presumo seja uma autora – e, quase me lembro de seu nome. O livro não se  sabe que paradeiro levou  – e eu também não…

Sinto falta de alguns livros do passado. Às vezes me pego pensando em livros que possuí. Sinto raiva de mim mesmo por não ter tido o zelo de guardá-los e protegê-los para o meu próprio bem, para a releitura quando necessária… Conheço pessoas – e depois que li o texto do biógrafo de Mario de Andrade, o Telê Porto Âncona Lopez, redigido em Mongaguá, litoral sul de São Paulo, e vejo que é uma prática de gente da escrita – que costuma fichar cada livro que lê e, além de acondicioná-lo e protegê-lo nas capas e contracapas – não emprestá-lo para ninguém. É, tem leitores que não emprestam livros e que os guardam como se fossem tesouros. Mas, fico contente que tem outros que repassam os livros. É um circulo de conhecimento que se é solidarizado pelo tempo. Pra essa gente que não é fominha, meus sinceros respeitos.

Todos os livros que leio risco. Não sei por que tenho essa mania. Grifo frases inteiras, palavras ou parágrafos e as vezes escrevo o que vejo nas ‘entrelinhas’ nas margens estreitas das páginas, além de chaves marcando parágrafos – pequenas chaves, ‘chave’ que para Clarice nunca existiu e nunca existirá. Na verdade deve ter gente que me odeia por riscar os livros que leio. Por isso risco a lápis, para que o próximo leitor os apague. Sou um tanto relaxado para essas coisas. Até por que não sou um homem letrado. Não tenho ou nunca tive aptidão intelectual. Também releio livros. E, quando leio autores inteligentes fico com vergonha de não ter a capacidade intelectual dessa gente letrada, a chamada inveja criativa, propositiva, é claro. E nunca terei. Aprendi a aceitar as minhas limitações e aprendi, mais do que nunca, que tem pessoas mais inteligentes do que nós e encontro-as em todos os cantos, em todos os lugares, das mais simples as mais sofisticadas.

Engraçado, tento encontrar nas histórias e estórias, nos contos e encantos dos escritos de autores o que os levou a escrever determinados textos, suas influências e contextos históricos. É uma pretensão estranha a minha, a de tentar saber o que o autor leu para escrever determinada história. Mas, acredito, seja uma forma de exercitar a minha mente e mantê-la aquecida e pronta para mais e mais novidades. Tenho visões e distorções da realidade e da irrealidade de nossos dias. Encontro personagens de minhas leituras na dura realidade da vida… No livro de Mario de Andrade, por exemplo, vejo que a alemã Olga era a alemã Fräulein e que Luis Carlos Prestes era, ou foi, Carlos, Karl. Que machucava e que foi machucado pelos adventos subsequentes.

Para minha visão infantil as personagen;s de seu livro, de certa forma, foram interpretadas na realidade de nossa nação nas décadas de 20 e 30 e continuam até hoje. Ou, de alguma forma, em “Amar, Verbo Intransitivo, Idílio” (12ª Edição, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1986), Mário tenha deixado como herança modernista um projeto de brasilidade não compreendido pelos adventos dos acontecidos no pós 30, do Século XX, cujos atores foram surpreendidos pelos ventos do materialismo histórico e dialético que sacudiam e sacodem os quatro cantos do mundo – ou será cinco? Pois li em algum livro que nos cinco pontos do planeta existiram cinco rainhas – incluindo-se o nosso país – e, acho que foi no livro do Salinger (sobre as rainhas, no jogo de damas, nas cinco casas no fundo do tabuleiro, O Apanhador no Campo de Centeio, “The Catcher In The Rye”, J.D. Salinger, 13ª Edição, Editora do Autor, Rio de Janeiro, sem data).

O livro de Mário de Andrade, de difícil conjugação, como cita Telê, apesar de ficar tudo no lugar, um livro lançado para apenas 50 pessoas, em 1926, não é uma estória romântica. É história. Bem que ele poderia contar…

Estranha a minha forma de ter com livros e dos livros me terem.

Mas continuo com o estranho desejo de tê-los mais e mais e de ser possuído por cada palavra que bebo deles. Uma forma de amor, um estranho amor. E numa conjugação cada vez mais de brasileiro.

“Abrasileirar” é um verbo?

É…

É, é estranho mesmo.

Já era.

 

Clóvis Duduka Tanaka da Silva Monteiro

 

ET:  A propósito, a palavra ‘ética’ não se encontra na página de caderno citada. Vivemos o Pós Nacionalismo faz tempo…

It´s true. Sou ator, dublador, jornalista, publicitário, radialista e abandonei a faculdade de direito no segundo ano…

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Clóvis Duduka Monteiro
Ator, Jornalista, Publicitário, Radialista
e Taxista Autônomo
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