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16 DE ABRIL DE 2015

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A maioridade penal e os ovos da serpente

Em artigo, jornalista aborda os riscos da aprovação da maioridade penal, em discussão no Congresso Nacional

Por: Da Redação

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Do leitor Carlos Norberto Souza (*)

Como todos já sabem, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou no último dia 31 de março a PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Agora, ela ainda terá que passar por uma comissão especial, pelo plenário da Câmara e pelo Senado, antes de eventualmente entrar em vigor. Esta notícia infeliz me faz lembrar que, nos últimos tempos, sempre ouço e leio afirmações de que o “ovo da serpente” foi botado em nosso país…

A aprovação da PEC 171/93 é uma aberração tanto do ponto de vista constitucional quanto humanístico, dimensão esta que a Constituição Federal de 1988 procura preservar ao estabelecer como cláusula pétrea a idade penal em 18 anos. Ou seja, algo que só uma nova assembleia constituinte teria o poder de mudar. Mas a atual configuração do Congresso Nacional, considerado o mais reacionário desde a redemocratização, apesar das boas exceções, despreza qualquer noção de Estado de Direito.

Outro aspecto desta aberração é o fato de que estes deputados rasgaram a Constituição, apenas para satisfazer a sanha medieval de grande parte da sociedade por sacrifício de ‘bodes expiatórios’. O medo, real ou artificial, somado à desinformação ou causado por ela, evoca os piores instintos em nós. Instintos grotescos estimulados pelos datenas, marcelos rezendes e demais programas de TV que gotejam sangue.

Bastaria observar as estatísticas para constatar que a ínfima minoria dos crimes cometidos por adolescentes são contra a vida. Por outro lado, eles estão sendo mortos cotidianamente e em massa. Além disso, a grande maioria destes jovens assassinados é formada por negros e pobres.

“Parte da sensação de que há um exército de crianças e adolescentes perversos, prontos para atacar “os cidadãos de bem”, costuma ser atribuída à enorme repercussão de crimes macabros com a participação de menores de idade”, escreveu a jornalista Eliane Brum​, em sua brilhante coluna do dia 30 no EL PAÍS Brasil (http://migre.me/pfx7D).

“Aquilo que é exceção, ao ser amplificado como se fosse a regra, regra se torna”, observa a jornalista, “mas o sentimento, reforçado por parte da mídia, seria mais forte do que a razão. Viraria então uma crença sobre a realidade, manipulada por todos aqueles que dela se beneficiam para justificar seus lucros, seus empregos e sua própria violência, esta sim amparada em números bem eloquentes.”

Aconselho a todos lerem o artigo dela. Melhor: Aconselho a leitura e releitura, tantas vezes quanto possível, calmamente, palavra por palavra, pois acho que ela é quem melhor captou, refletiu e transformou em palavras a miséria humana da sociedade brasileira.

Ilude-se quem considera que se encontra em saídas simplistas a solução para a violência. Esta proposta serve a quem? “Aos ‘cidadãos de bem’”, muitos respondem. Afinal, quem são eles? Quem não se indigna com os assassinatos de milhares de jovens, em sua maioria pobres e negros, pode ser considerado “cidadão de bem”? Quem pensa em colocar mais e mais adolescentes em presídios e jogar as chaves fora, sem se importa com as condições desumanas com que são tratados, merece esta condecoração? Além disso, a probabilidade de eles saírem de lá “criminosos diplomados” é cerca de 70%.

No começo deste artigo mencionei o “ovo da serpente”. Bem, penso que tal réptil botou vários ovos e eles já estavam aninhados entre nós há certo tempo. Eclodiram e seus frutos estão se reproduzindo velozmente. O que nos aguarda adiante talvez seja ainda mais aterrador. A questão é: deixaremos esse processo continuar?

(*) Carlos Norberto Souza é jornalista

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