Incêndio e pânico | Boqnews

Opiniões

31 DE JANEIRO DE 2013

Incêndio e pânico

Por: Da Redação

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Não quero parecer
insensível, mas confesso que a tragédia em Santa Maria me provoca certo cansaço
depois de uma semana. A fadiga é provocada pelos excessos e pela desfaçatez,
principalmente, de pessoas que se expõem no noticiário, seja para aliviar a
irresponsabilidade ou para ganhar com ela.

No circo de horrores onde vítimas e familiares são
figurantes, duas palavras – de tão gastas – me fizeram pensar sobre como somos
cordiais e coniventes. Incêndio e pânico, ou seus sinônimos, castigados na caça
às bruxas do mau uso da lei, simbolizam que reprises da dor são (e serão) tão
banais quanto o cinismo de quem agora quer fiscalizar até quitanda de bairro.

O pânico está, por exemplo, no proprietário da boate,
escravo da ganância e agora refém da consciência, que teria tentado suicídio,
enquanto incendeia sua co-responsabilidade via advogado disposto a distribuir a
culpa. O medo extremo que se torna cúmplice de quem – na imprudência insana –
brincou com um sinalizador em ambiente fechado.

O corpo de bombeiros também entrou em pânico e exercitou
seu instinto de autopreservação, sem admitir que colocou fogo na própria
competência dentro um modelo inflamável de fiscalização. Enterrou a própria
cabeça na burocracia, como um avestruz que se nega a enxergar a negligência.

Ao sentir o cheiro de fumaça, os abutres com mandato
acenderam o pavio da oportunidade política. Apavoraram assessores e secretários
e decidiram colocar nas ruas tropas de fiscais para fingir que acompanham o que
acontece nas casas noturnas pelo país.

Não importa o tamanho da labareda política. Todos
depositaram mais lenha na fogueira, ávidos por mais visibilidade. Nestas horas,
prefeitos (inclusive da Baixada Santista) e governadores incineram a vergonha
que jamais possuíram e encenam pânico para evitar novas tragédias. Esforçam-se para
cozinhar a realidade, em troca da construção da imagem de comprometimento com a
vida pública e com o trabalho.

O pavor contamina os donos de casas noturnas, cientes de
que a legislação é um conto de fadas na sua aplicação. Quem não foi a uma
balada e se sentiu asfixiado com a superlotação? Os empresários da noite fecham
suas portas, tomados pela angústia que durará um mês, no máximo, quando os
abutres voltarão à rotina com o esvaziamento desta história.

O combustível inflamável desta trama se espalha na forma de
microfones e câmeras, quando farejam mais uma manifestação do Deus-audiência.
Nas 48 horas posteriores ao incêndio, os cinco principais canais de TV aberta
falaram juntos por 46 horas sobre o assunto. Deve ter sobrado espaço apenas
para os programas de comércio da fé e para os gols da rodada.

Apavorados em abocanhar seguidores, muitos programas assaram
em fogo brando a obviedade, em horas de redundância sobre alvarás,
responsabilidade criminal, discursos de especialistas. De vez em quando, luto e
tristeza de quem acordou de madrugada com um telefonema de notícia ruim.

No rescaldo da exploração política e comercial, o que
realmente interessa sai chamuscado. O humano, personificado em quem se foi e
naqueles que ficaram com as cinzas das lembranças, desaparece das manchetes e
rasteja rumo à nota de rodapé.

As
vítimas perdem até o direito de protagonizar a própria tragédia da qual não
desejavam fazer parte. Quando precisam de paz, os holofotes as perseguem com
luz de interrogatório. Quando necessitarem de justiça, estarão na página seis,
entre dois anúncios que acendem a chama da felicidade.
 

Sem querer, Santa Maria cansa e se cansa por repetir quase
250 vezes o quanto seres, em pânico para lucrar com a desgraça alheia,
incendiaram o significado da palavra humano. 

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