O estupro moral | Boqnews

Opiniões

01 DE AGOSTO DE 2013

O estupro moral

Por: Da Redação

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Uma mulher é estuprada a cada 12 segundos no Brasil. No
Estado de São Paulo, foram quase 13 mil estupros em 2012. Santos registra a
média de 10 casos por mês. Sob qualquer ângulo, a violência sexual é uma
epidemia. Poderia encher esta coluna de dados estatísticos que reforçariam a
gravidade do problema, como fiz em dois textos no mês de maio.

A
violência sexual é uma doença democrática, que não discrimina classe social,
lugar, idade ou religião. Isso mesmo, religião. A fé, misturada com política
rasteira, é o que travou nos últimos meses os primeiros passos de uma política
nacional contra a violência sexual.

A
presidente Dilma Rousseff, depois de alguns escorregões na área da saúde,
acertou ao sancionar integralmente a lei que regulamenta o atendimento do Sistema
Único de Saúde (SUS) às vítimas de violência sexual.

A
lei estabelece que o atendimento deve incluir: 1) diagnóstico e tratamento de
lesões; 2) a realização de exames para detectar doenças sexualmente
transmissíveis e gravidez; 3) fornecimento de informações sobre os direitos
legais da vítima e sobre todos os serviços sanitários disponíveis; 4)  apoio dos profissionais de saúde para o
registro policial do crime; e 5) fornecimento de contraceptivos de emergência
às vítimas de estupro.

A
pílula do dia seguinte é que atiçou a intolerância da bancada da bíblia,
desconectada para políticas sociais, coesa eventualmente para acariciar os
próprios interesses morais e econômicos. O argumento é que a pílula seria um
estímulo ao aborto e facilitaria a legalização da prática no Brasil.

O Governo Federal prometeu encaminhar ao Congresso um projeto que troca o termo “profilaxia da gravidez” por
“medicação com eficiência precoce para a gravidez decorrente de estupro”. A
decisão atende à reivindicação de entidades católicas e evangélicas. O próprio
Ministério da Saúde reconhece que a mudança na lei evitará interpretações sobre
o estímulo ao aborto.

O problema não é a troca de palavras. São detalhes até
certo ponto abstratos diante das pressões de igrejas de religiões variadas, que
mobilizam parlamentares para pressionar o Governo. Na prática, os deputados
exercitam o moralismo de conveniência, virando as costas para um problema
social profundo, enraizado numa cultura de base machista. Nenhum deles levantou
a mão ou abriu a boca para falar em combate à violência sexual.
 

Não houve surpresas, por sinal. É redundante reclamar da
necessidade de Poderes laicos. Soa utópico em um país que permeou sua história pelas
relações – por vezes, promíscuas – entre religião e política de Estado.

O que incomoda é perceber que, diante de interesses
políticos mesquinhos, pouco se avança no sentido de proteger e dar assistências
às maiores interessadas: as mulheres estupradas. Mulheres que precisam mendigar
atendimento em delegacias, até porque as unidades especializadas fecham nos
finais de semana, dias de maior incidência de violência sexual.

As vítimas são, muitas vezes, obrigadas a retornar para
casa e conviver com o agressor, em sua maioria, parentes, vizinhos ou moradores
próximos. O sistema de abrigos é insuficiente e falho.

Além da ausência de estrutura, as mulheres precisam
engolir a seco o comportamento cultural que se esconde no estupro e que se
traduz na ideia de que elas provocaram os agressores. Logo, foram estupradas
por merecimento. É assustador ouvir homens – e muitas mulheres – dizendo: “Ela
estava de shorts. Pediu para ser estuprada!”

A canetada de Dilma Rousseff é um passo importante para
que o país caminhe para reduzir os índices de violência ou, no mínimo, fornecer
maior conforto para as vítimas de uma experiência tão traumática. Mas não tenho
fé que os falsos profetas – com mandatos ou não – abandonem o moralismo e
enxerguem a questão com humanidade. 

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