O compartilhamento de saberes e afeto entre duas gerações da dança contemporânea brasileira é celebrado em mais um espetáculo do grupo Pró-Posição: “Peças Fáceis”.
Aos 78 anos de idade, Janice Vieira, uma das pioneiras da dança contemporânea no país (que recentemente foi agraciada com o Prêmio Governador do Estado por sua trajetória na dança), sobe ao palco mais uma vez ao lado da filha Andréia Nhur.
Ela, aos 36 anos é considerada uma das expoentes da área (professora na USP, coleciona prêmios importantes na carreira como o APCA e o Denilto Gomes).
“Peças Fáceis”, que foi finalista do APCA em 2017, é considerado pela dupla mais um espetáculo que une humor, poesia e engajamento político, tônicas do grupo Pró-Posição (desde sua fundação em 1973 por Denilto Gomes e Janice Vieira e também quando de sua retomada em 2007).
O tema do espetáculo, que parte de um estudo sonorocoreográfico a partir de músicas (minuetos) de Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Christian Petzold (1677-1733), pode não deixar evidente num primeiro momento o tom político do trabalho.
No entanto, é na trajetória da dupla que a militância artística se faz presente e contundente em várias camadas.
História
Trata-se de uma bailarina de 78 anos que segue com forte atuação nos palcos brasileiros, de um trabalho ininterrupto e de resistência desenvolvido por um grupo artístico fora do eixo Rio-São Paulo (são cinco espetáculos em dez anos), de um projeto de pesquisa de linguagem desenvolvido a longo prazo (em 2013, o grupo foi laureado com o Prêmio da APCA pela Pesquisa Continuada em Dança).
Janice ressalta ainda que “celebrar o afeto” no mundo atual já é, em si, um ato político.
Andréia designa o espetáculo como um “festejo de resistência” num mundo regido pelo modelo neoliberal que pretere “tudo o que demora, o que gera vínculos, o que é perene, em prol de uma prática cotidiana imediatista e descartável”.
“Peças fáceis” conta com o apoio do Programa de Ação Cultural (ProAC), da Secretaria Estadual da Cultural.
Som e coreografia
O espetáculo tem como ponto de partida músicas escritas por Bach e Petzold e que tanto Janice como Andréia tiveram contato ainda na infância.
Essas composições de contraponto são frequentemente utilizadas no processo de aprendizado de instrumentos musicais.
A dupla tomou como desafio trazer essas músicas ao palco através do corpo.
Não apenas do corpo que dança, como também do corpo que emite sons. Isso porque toda música do espetáculo é produzida pelas próprias bailarinas em cena.
Seja cantando, tocando um instrumento ou mesmo pelos sons percussivos emitidos pelo corpo, seus grunhidos ou suspiros.
A composição sonorocoreográfica se dá em duas vias que se retroalimentam. No estímulo sonoro que reverbera no corpo, e no movimento corporal que reverbera no som, num amálgama vivenciado com liberdade nos corpos criativos das bailarinas.
No espetáculo, Andréia toca violão e pandeiro, já Janice, castanholas e acordeom.
A dupla também canta.
“Não somos cantoras ou instrumentistas visando excelência musical, mas bailarinas que musicam sua dança, na busca de um pensamento coreográfico que é sonoro e musical ao mesmo tempo”, reitera Andréia.
Para a aclamada crítica de dança Helena Katz, a música entra em “Peças Fáceis” como “uma terceira presença”.
“Um violão-corpo, um acordeom-corpo, um corpo-pandeiro, um corpo-castanhola”, pontua.
Nos 45 minutos de duração do espetáculo, além de fragmentos de Bach e Petzold, o repertório traz também referências a outras musicalidades.
Há presença brasileira, portuguesa, espanhola, oriental, num fazer antropofágico, barroco, híbrido.
“Peças Fáceis” propõe-se a um dançar polifônico e engajado profundamente com a pesquisa da linguagem da dança.
Contribuições
Sobretudo, vale ressaltar que os laços familiares-artísticos aparecem também em outras contribuições em “Peças fáceis”.
O músico Ramon Vieira – irmão de Andréia e filho de Janice – deu a consultoria rítmica do espetáculo.
O diretor de teatro Roberto Gill – pai de Andréia e marido de Janice – fez todo o trabalho de iluminação. Além disso, colaborou na concepção dramatúrgica.
A peça tem colaboração da bailarina Helena Bastos e da musicista Andrea Drigo.
Serviço
Recomendação:
Livre
Local:
Colégio Jean Piaget (Av. Almirante Cochrane, 120 – Aparecida)
Sessão:
Quinta (23) às 20h
Ingresso:
Gratuito
Informações:
Reservas devem ser feitas até 1 hora antes (19h) do espetáculo via WhatsApp (11) 98836-5357