Um paciente do psiquiatra suíço Carl Jung relatou um sonho, onde ele via ao longe um trem.
A locomotiva estava muito veloz, e havia um trecho em S da estrada de ferro logo à frente.
O sonhador percebe que, se o trem não desacelerar, sua composição vai descarrilhar no meio da curva em S.
E isso acaba acontecendo, fazendo o sonhador acordar assustado.
O paciente em questão era uma pessoa de origem humilde que tinha acabado de ter uma grande conquista: foi contratado para uma posição de prestígio na Universidade local, na Suíça.
Jung observa que o sonho representava o perigo do homem estar um pouco acelerado e inflado com a promoção, o que representava o risco de um descarrilhamento psíquico.
O homem achou aquela interpretação muito estranha e pouco científica. Hoje em dia, ele acharia essa interpretação ainda mais esotérica e pouco científica.
O fato é que o homem seguiu fazendo o que estava fazendo e teve, alguns meses depois, um colapso nervoso, do qual não se recuperou. E perdeu a posição tão almejada.
Jung entendia que o Sonho tinha uma função de correção de atitudes conscientes.
Ele chamava de Função Compensatória.
Entendia também que o sonho tinha uma função prospectiva, ou seja, mostrava cenas que realmente poderiam acontecer no futuro.
A Neurociência confirmou esses dois insights: o sonho ajuda a processar e elaborar a experiência consciente, por isso sonhamos com o que passamos durante o dia.
Isso serve para o armazenamento de Memórias e a percepção de pequenos traumas e experiências incômodas que vivenciamos.
Serve também para criar cenários futuros e as alternativas para manejar essas situações.
A psique do paciente de Jung detectou a sobrecarga de estresse e de atividades que poderiam causar, e causaram, um desequilíbrio.
Existe uma simpatia com grande sucesso na internet, que consiste em deixar um copo d’água na sua cabeceira e fazer uma pergunta ao seu Inconsciente.
Você faz a pergunta e toma um gole da água. Ao acordar, você toma outro gole, e a resposta aparece. Isso é científico? Claro que é.
Explico: quando você faz uma pergunta, sobre um assunto que te preocupa, você liga essa máquina probabilística que vai gerar cenários futuros para a melhor resposta.
Por isso que os antigos sugeriam “dormir sobre o problema”, pois de manhã não é incomum que as alternativas e as respostas estejam muito mais claras do que na noite anterior.
E a água? A água pode ajudar a acordar durante a noite.
Lembramos dos sonhos que temos na hora de acordar, então o copo d’água pode ajudar a lembrar do sonho.
A resposta, ou as possibilidades de resposta, podem ficar mais claras antes de fazer xixi.
Mas um alerta: anote o sonho antes de fazer o tal xixi.
Senão ele vai embora privada abaixo.
Portanto, não tome muita água, que pode diluir sua resposta.
Mas, Dr Spinelli, e a água ao acordar?
Não serve para absolutamente nada e ainda pode aumentar a vontade de correr para o banheiro.
Mas quem inventou a simpatia deve ter achado legal um gole matinal.
Freud dizia que o Sonho era a manifestação de seus Desejos ou Medos mais profundos. Também estava certo.
Os sonhos, por essa característica de Oráculo Probabilístico (como denomina o neurocientista Sidarta Ribeiro), podem revisar e antecipar os cenários mais assustadores ou manifestar a imagem daquele crush que você nem sabia que era um crush, ou aquele namorado antigo que te achou no Instagram.
O sonho revela então seus desejos reprimidos, como jogar seu chefe pela janela, por exemplo, ou manifesta seus medos, como ser mandado embora depois de arremessar seu chefe.
A boa notícia é que o seu Cérebro se interessa por você e pelo seu bem estar, e usa o sonho para consolidar seu Passado e antever seu Futuro.
Depois de décadas que a pesquisa sobre sonhos ficou congelada, pois os neurocientistas estavam muito ocupados dizendo que Freud, Jung e os Sonhos não serviam para nada, hoje sabemos que sonhar é fundamental para nossa evolução e sobrevivência (enquanto eu digito isso, minha pet Jaqueline acorda assustada no meio do seu sonho. Vou deixar o texto sobre pesadelos para o próximo artigo).
Bons sonhos, para quem consegue dormir nessa época que ninguém mais dorme direito.
Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta e autor do livro “Stress – o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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