Na última semana, a orla de Santos registrou pontos de alagamento devido à maré alta provocada por uma ressaca, que atingiu a região da Ponta da Praia e do canal 4. As ondas superaram 3 metros de altura. Outras cidades das regiões Sul e Sudeste também sentiram os mesmos efeitos e impactos.
Os reflexos do fenômeno se estenderam na quarta-feira (30), ainda que em menor volume, pois a ressaca resultou na presença de muita areia nas ruas, ocasionando lentidão no trânsito em alguns pontos da Cidade.
Desde então, equipes da Prefeitura trabalham em ritmo acelerado para liberar vias, remover areia, lama, entulho e lixo acumulados nas avenidas e calçadões da orla marítima. Calçadões destruídos, cobertos por lama e toneladas de areia arrastadas pela maré alta impactaram o cenário, criando verdadeiras ondulações ao longo da orla.
Os maiores prejuízos foram registrados entre os canais 4 (Boqueirão) e 6 (Ponta da Praia). A força da maré provocou queda de muretas, calçadas quebradas, tombamento de lixeiras e bancos, além de brinquedos. Banheiros públicos foram invadidos pela força da água. Quiosques também sofreram. Em um deles, junto ao Canal 4, a pedra de mármore da bancada foi quebrada pela força do mar.
Frequência
O geólogo e professor do Departamento de Ciências do Mar e Instituto do Mar, Campus Baixada Santista da Unifesp, Emiliano Castro de Oliveira ressalta que a ressaca desta semana é resultado das mudanças climáticas e o aumento do nível do mar em Santos.
“Os eventos que se relacionam com essa ressaca são frequentes em Santos. O que tem acontecido em relação às mudanças climáticas e o aumento do nível do mar vem acontecendo numa escala aparentemente pequena. Mas que em termos geológicos ela é muito grande. Tem havido um aumento da frequência desses eventos. Então, a gente tende a esperar mais eventos de ressaca acontecendo do que eles aconteciam no passado”, explica.
Ele conta que existem períodos eles vão acontecer em maior número e outros em menor. Contudo, na frequência geral quando observa-se uma série de mais ou menos um século é possível perceber que esses eventos estão crescendo. “Portanto, isso vai criar um desafio maior para as cidades costeiras em termos de manter suas estruturas e continuar existindo da forma como elas foram planejadas”.
Estrutura geológica
Além disso, outro fator destacado pelo profissional refere-se aos os impactos a longo prazo da maré alta e ressacas sobre a estrutura geológica da orla de Santos.
Ele cita o processo que já aconteceu no passado na área costeira de Santos. Ou seja, um evento que ocorreu nas décadas de 70 e 80, quando os prédios da orla estavam entortando e ficando desalinhados. Ele lembra que no passado houve uma deposição de sedimentos que não eram de praia no local onde os prédios foram construídos.
No caso, a deposição de argila ocorre quando o nível do mar se eleva no local ou seja o mar fica mais profundo. Portanto, já ocorreram esses eventos de subida de nível do mar registrados na área da ilha de Santos. “Esse processo ele vai acontecer de novo”, diz.
O professor menciona que dessa vez a alteração ocorre pela ação humana como o aumento dos gases de efeito estufa, com a modificação das características climáticas e o aumento do nível do mar. “Tudo relacionado ao processo de derretimento das áreas congeladas no mundo”.
“Esse processo ele está acontecendo de uma forma bastante acelerada e do ponto de vista geológico para Santos, a gente vai ter a repetição de um ciclo que iria demorar mais tempo para acontecer em termos de escala geológica, que está sendo acelerada pela ação humana”.
Assim, a tendência da subida do nível do mar vai mudar a característica costeira e o processo de adaptação da sociedade que está ocupando a cidade de Santos e que a ocupará no futuro. “Ele vai ter que ser um processo integrado de aceitar e conviver com essa modificação”.
Aquecimento
O professor do Instituto do Mar da Unifesp, Ronaldo Christofoletti explica que a ressaca decorre de momentos quando há algum evento climático, usualmente a união de ventos fortes, frentes frias chegando e massas polares que geram ciclones extratropicais.
“Enquanto este é um processo natural que tem a ver com a mudança do clima, a frequência e a intensidade dessas frentes tem aumentado, porque a gente tem alterado ar cada vez mais quente, com o oceano mais quente e as regiões polares, como a Antártica, com uma pressão muito forte. Então você tem frentes frias e polares vindo que não são esperadas em momentos ou intensidade. E isso aumenta as chances de ter ressacas fortes como essas.”
Desse modo, ele conta que as ressacas serão cada vez mais fortes e frequentes, porque o aumento do aquecimento global é maior. “A ressaca sempre existiu, mas elas vão ser cada vez piores por conta do aquecimento”.
Cenário
Ele também comenta que cada vez que ocorrerem ressacas fortes, não há solução que vá resolver este problema. “Nada vai parar a força de 70 % do oceano. Existem algumas ações que podem amenizar o processo, mas não vão resolver”.
Sobre um possível agravamento decorrente desse fenômeno, ele menciona que com a maré, que é um movimento normal, as ressacas apresentam um cenário pior, que é o aumento do nível do mar. Isso significa que mesmo que ele fosse uma lagoa e não tivesse nem onda em frente fria nem nada, ele está aumentando de nível”, explica.
“Nos últimos 20 anos dobrou a taxa com que ele aumenta de nível ou seja está aumentando de nível cada vez mais rápida. Isso significa que ele vai estar cada vez mais alto, automaticamente cada vez mais perto do calçadão. Somando maré e ressaca, a tendência é só piorar porque a frequência de ressacas aumentará pela crise climática e as ondas por sua vez também surgem mais fortes por ventanias maiores. Então, são as três coisas que trazem água cada vez mais fortes, ampliando os estragos”.
Prefeitura de Santos
Por sua vez, em nota, a Prefeitura de Santos informa que vem se preparando para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas há, pelo menos, 10 anos.
“O Município é pioneiro na implantação de planos estratégicos e programas de aumento da cobertura verde, contenção das marés, obras contra alagamentos, recomposição ambiental, saneamento e destinação de resíduos. O objetivo é garantir a reconhecida qualidade de vida dos santistas e o equilíbrio entre os desenvolvimentos social, econômico e ambiental”.
Destacam-se, entre as prioridades do Município, as obras de macrodrenagem para acabar com os alagamentos na Zona Noroeste, com a primeira Estação Elevatória com Comportas (EEC) da Zona Noroeste já em operação, e mais quatro com obras contratadas; o Parque Palafitas, projeto que pretende a substituição gradual das palafitas por moradias em lajes, oferecendo dignidade e condições adequadas para a população da área, além da recomposição ambiental da Vila Gilda; e o Santos Sustentável, iniciativa que prevê o plantio de 10 mil novas árvores em quatro anos e a criação de corredores verdes.
O Município conta também com os ecobags, barreira submersa em L com mais de 500 metros e um paredão de rocha junto às muretas, entre o Aquário Municipal e a Ponte Edgard Perdigão, voltada a diminuir a energia das ondas, servindo para minimizar a erosão e armazenar areia no local.
A estrutura foi fundamental para minimizar os efeitos da ressaca sobre Santos na última terça-feira (29), tanto que não houve comprometimento nesta região. Os ecobags devem ser expandidos pela Autoridade Portuária de Santos (APS) até as imediações do Canal 4, conforme estudo apresentado à Prefeitura de Santos e ao Ministério Público.
NPH
Segundo as análises do Núcleo de Pesquisas Hidrodinâmicas da Unisanta (NPH-UNISANTA) baseadas nos sensores da Praticagem de São Paulo, foi registrada altura significativa das ondas acima de 3,0 metros na Baía de Santos, com o maior valor de 3,98 metros obtido na tarde de terça-feira (18h30). No mesmo horário, o nível do mar atingiu 1,92m na orla e 2,12m no interior do estuário.
A principal relevância desses dados é que essa conjugação de fatores no mesmo instante — o pico simultâneo da maré e da altura das ondas — implicou em um impacto muito maior do que o ocorrido em outras ressacas com ondas acima de 3,0 metros, mas com nível do mar menos elevado.
Se existem impactos futuros do aumento do nível do mar na cidade de Santos, o NPH comunica que existem projeções sobre isso. Contudo, conceitualmente o aumento do nível do mar e as ressacas são fenômenos diferentes. A elevação gradual do nível médio do mar refere-se à elevação progressiva e de longo prazo do nível do mar sobre a linha da costa. Desse modo, que ocorre principalmente pelo derretimento das geleiras e pela expansão térmica da água dos oceanos devido ao aquecimento global. O processo é constante e mais lento.
Já as ressacas são eventos pontuais de curta duração. Portanto, onde as ondas e o nível do mar ficam mais elevados temporariamente. E possuem maior frequência de ocorrências durante o outono e o inverno no ano.
Considerando previsões locais de aumento próximo de 0,39m para o nível médio do mar até 2100, estima-se que o nível do mar poderá atingir mais frequentemente valores superiores a 2,0 m até o final do século. Deste modo, ressacas intensas causarão impactos bem maiores e mais severos.
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