I
As relações luso-brasileiras e da comunidade das letras e das artes de Brasil e Portugal constituem a maior parte dos 64 artigos do jornalista e empresário brasileiro Aristóteles Drummond publicados de abril de 2018 a janeiro de 2023 no semanário impresso O Diabo, de Lisboa, agora reunidos em Cartas de Lisboa – Uma visão da direita esclarecida sobre a história luso-brasileira (São Luís-Coimbra, Livraria Resistência Cultural Editora, 2023).
Da obra, faz parte também uma entrevista que o autor deu à jornalista Ana Taborda e que saiu na revista semanal portuguesa Sábado, de Lisboa, em 9/10/2021.
Publicados com destaque num jornal independente assumidamente de orientação direitista, que, porém, agrega cronistas de várias vertentes ideológicas, alguns desses artigos são também essencialmente políticos e reproduzem o pensamento de um intelectual de princípios conservadores, mas essencialmente civilizado, para quem a política constitui a arte da boa convivência, inclusive com os contrários, o que já o levou a definir-se como “antibolsonarista”.
Como observa o historiador, professor e escritor português Jaime Nogueira Pinto no prefácio, estes artigos “têm o mérito de serem, na sua variedade temática, um espelho dos 200 anos de História do Brasil, desde os reinados dos imperadores d. Pedro I (1798-1834) e d. Pedro II (1825-1891) e da regência da princesa Isabel (1846-1921), até a República proclamada pelos militares, pelos cafeeiros, descontentes com a libertação dos escravos”.
Como o autor conhece bem a literatura portuguesa e brasileira, o leitor irá encontrar nestas páginas muitas referências sobre a vida e a obra de escritores como Machado de Assis (1839-1908), Eça de Queirós (1845-1900), Gilberto Freyre, (1900-1987), Pedro Calmon (1902-1985), Rachel de Queiroz (1910-2003) e Nélida Piñon (1934-2022), além de passagens sobre a atuação de embaixadores que muito bem representaram o Brasil em Portugal, como Negrão de Lima (1901-1981), Dário Moreira de Castro Alves (1927-2010), José Aparecido de Oliveira (1929-2007) e Alberto da Costa e Silva (1931-2023).
Sem contar as passagens sobre personagens históricos, como Marcello Caetano (1905-1980), último presidente do Conselho do Estado Novo salazarista, Américo Thomaz (1894-1987) e António de Spínola (1910-1986), ex-presidentes de Portugal, Giscard d´Estaing (1926-2020), ex-presidente francês, e membros da família imperial brasileira, com os quais conviveu. Aliás, de Luiz Philippe de Orleans e Bragança, deputado federal e descendente de d. Pedro II, há um texto de apresentação numa das abas do livro.
II
Em nota de autor, Drummond observa que, embora esta seja uma época que tanto exala a liberdade de pensamento e de imprensa, o pluralismo não anda muito presente.
“O mundo da literatura, do jornalismo e das artes privilegia ideais e autores de esquerda, tratando de ocultar o pensamento da maioria silenciosa, que é a que trabalha, estuda e reza. E é essencialmente conservadora”, diz para, logo adiante, no artigo de abertura da coletânea, pedir para que se tenha cuidado com os que se arvoram em defensores do povo.
E faz um alerta: “Estes não amam os pobres – apenas não gostam dos ricos, que, no final, são os geradores de empregos e de riquezas”.
De ideal monarquista, o autor não esconde que a monarquia brasileira foi derrubada por um golpe militar – dos vários que haveriam de infelicitar a Nação –, ao se referir à cordialidade que marcou a amizade de Eça de Queirós com Eduardo Prado (1860-1901), fundador da Academia Brasileira de Letras, filho de oligarcas rurais e autor de A Ilusão Americana (1893), obra ainda atual porque denunciava um perigo hoje presente, ou seja, a situação de sujeição que a ditadura inaugurada com a proclamação da República deixava o Brasil em relação às forças de dominação do sistema capitalista norte-americano.
Num dos artigos, Drummond lembra que tudo indica que Jacinto de Thormes, personagem de A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, tenha sido inspirado no escritor paulista, já que o romancista português teria sido habitué do apartamento de três andares em que Eduardo Prado vivia nas Arcadas da Rue de Rivoli, em Paris.
Em outro artigo, que leva o título “Visões da esquerda”, o autor condena a campanha de descrédito das monarquias ocidentais, “apesar da sua estabilidade institucional e da aceitação popular”.
E critica o escritor e jornalista Laurentino Gomes, a quem considera “pesquisador de alguma qualidade, mas equivocado como historiador”, que lançara, em 2022, o terceiro e último volume da trilogia Escravidão – Da Independência do Brasil à Lei Áurea (Rio de Janeiro, Editora Globo Livros).
Para Drummond, Gomes nega a importância da princesa Isabel no processo de abolição da escravatura e a sua passagem pela Regência.
Em seguida, o autor lembra que o imperador d. Pedro II, embora a Abolição se tenha dado em 1888, não dispunha de escravos desde 1838 e que a legislação, ao longo de mais de 30 anos, promovia a libertação dos nascidos de escravos e dos escravos que atingissem os 60 anos de idade, assim como a alforria para aqueles que haviam lutado na Guerra do Paraguai (1864-1870).
Depois de assinalar que, em 1888, os cativos seriam cerca de 20% da população negra, o autor recorda que havia a presença de negros no Parlamento e até entre os nobres.
“O barão de Guaraciaba (1826-1901) era negro e, como importante produtor de café no Rio de Janeiro, possuía mais de mil escravos”, ressalta, lembrando que os irmãos Antônio (1839-1874) e André Rebouças (1838-1898) foram os primeiros engenheiros negros e participaram das grandes obras de sua época.
E que o pai deles, o advogado autodidata Antônio Pereira Rebouças (1798-1880), foi deputado pela Bahia e conselheiro de d. Pedro II.
III
Nascido em 1944, no Rio de Janeiro, Aristóteles Drummond é jornalista, escritor, ensaísta, memorialista, político e empresário.
Filho de família tradicional, é neto do historiador mineiro Augusto de Lima Júnior (1889-1970) e bisneto de Antônio Augusto de Lima (1859-1934), poeta, magistrado, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras e ex-presidente de Minas Gerais (1891), época em que idealizou a transferência da capital do Estado de Ouro Preto para Belo Horizonte.
Começou no jornalismo nos Diários Associados, em 1964, e foi articulista de O Jornal (RJ), O Estado de Minas, Jornal do Commercio (RJ), O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa e Correio Brasiliense. Foi também diretor em Brasília do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil.
Além de colaborar com o semanário lisboeta O Diabo, atualmente, assina colunas em jornais impressos de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo e em vários sites da Internet.
Foi âncora do programa Brasil é Isso, exibido, durante muitos anos, na Rede Vida, e do programa Rio em Ação, na Rádio Catedral, no Rio de Janeiro.
É colunista das revistas Foco (DF) e Encontro (MG), e dos jornais Hoje em Dia (MG), O Dia (RJ), Diário de Petrópolis (RJ), Correio da Serra (MG), Jornal Inconfidência (MG), Diário de Barretos (SP), Midiamax – o jornal eletrônico do Mato Grosso do Sul, Jornal do Comércio, de Lisboa, e do semanário Sol, de Oeiras, Portugal.
Exerceu funções na administração pública em empresas como Light, Companhia Vale do Rio Doce, Cemig e Eletronorte.
Atuou no setor energético, em 1979, como assessor do ministro das Minas e Energia e foi delegado desse Ministério no Rio de Janeiro. Em dezembro de 1984, foi empossado como diretor de administração da Light.
Logo em seguida, foi requisitado pela Casa Civil da presidência da República e, posteriormente, para o Ministério da Indústria e Comércio, assumindo o cargo de delegado, no Rio de Janeiro.
Em 1987, retornou à Light, sendo designado diretor, ficando no cargo até julho de 1996, com a privatização da empresa.
Ocupou também os conselhos da Petrofértil, antiga subsidiária da Petrobrás, e da Associação Comercial do Rio de Janeiro e fez parte da comitiva oficial, como assessor do ministro César Cals (1926-1991), na viagem do presidente João Figueiredo (1918-1999) à França, em 1981.
É vice-presidente e grande benemérito da Associação Comercial do Rio de Janeiro, além de cavaleiro comendador da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém.
É autor também de A Revolução Conservadora – testemunhos e análise (1990, Minas (2002), Um Conservador Integral – relatos da vida (2009), Um Caldeirão chamado 1964: depoimento de um revolucionário (2013), e Memórias – fatos e fotos de uma vida (2021), entre outros.
Organizou Vila Rica do Ouro Preto – síntese histórica e descritiva (1996), São Francisco de Assis – poemas de Augusto de Lima (2000), O Homem mais Lúcido do Brasil – as melhores frases de Roberto Campos (2013), e O Homem mais Realista do Brasil – as melhores frases de Delfim Netto (2016).
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Cartas de Lisboa – Uma visão da direita esclarecida sobre a história luso-brasileira, de Aristóteles Drummond. São Luís, Maranhão/Coimbra, Livraria Resistência Cultural Editora, 212 páginas, R$ 42,75, 2023. E-mail: [email protected] E-mail do autor: [email protected] Site: www.aristotelesdrummond.com.br
Adelto Gonçalves é jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP).É autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´el-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. Escreveu prefácio para o livro Kenneth Maxwell on Global Trends (Londres, Robbin Lard, editor, 2024), lançado na Inglaterra. E-mail: [email protected]
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