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19 DE SETEMBRO DE 2025

Um tiro que feriu todos os brasileiros

Artur Marques

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A decisão da Justiça de Minas Gerais, anunciada em 17 de setembro, de bloquear bens do empresário Renê da Silva Nogueira Júnior, réu confesso pelo assassinato do gari Laudemir de Souza Fernandes, foi acertada, embora não repare a perda de uma preciosa vida e seus impactos na sociedade.

Afinal, não foi apenas um tiro que, em 11 de agosto último, matou o agente coletor de resíduos sólidos, em Belo Horizonte.

Foi a soma de impaciência, egoísmo e desumanidade, vícios sociais que não podem continuar contaminando a noção de comunidade no Brasil.

Laudemir perdeu a vida apenas porque um homem queria que o caminhão de lixo saísse do caminho para que ele pudesse passar com seu carro.

Um motivo tão fútil, mas que revela com ênfase por que não se pode banalizar a violência.

Cabe lembrar, diante de um episódio de extrema crueldade, que a 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em julho último, mostrou que o número de assassinatos em nosso país foi de 44.127, em 2024.

O que muitos esquecem é que profissionais como Laudemir são verdadeiros guardiões das cidades.

É graças a eles que nossas ruas permanecem limpas, que o lixo não se acumula, que ratos e insetos não proliferam e que o risco de doenças é controlado.

A cada dia, coletores e varredores realizam um trabalho complexo e fundamental para todos.

Respeitar esses trabalhadores, que prestam serviço público de alta relevância, começa com gestos simples: não buzinar impacientemente, não xingar, não fechar o caminho e compreender que o serviço que eles prestam é essencial.

No trânsito, a tolerância e o apoio a esses profissionais deveriam ser sempre um exercício mínimo de cidadania.

Afinal, o caminhão de coleta não está ali para atrapalhar o dia de ninguém, mas para garantir que a cidade onde todos vivem seja habitável, saudável e sustentável.

O assassinato de Laudemir foi a face mais cruel do desrespeito humano.

Entretanto, todos os dias, em diversas cidades brasileiras, esses profissionais – muitos dos quais são funcionários das administrações diretas dos municípios ou de empresas concessionárias – enfrentam outras formas de agressão menos cruéis, mas também graves: insultos, ameaças e pressões para acelerar um serviço que exige esforço intenso, atenção e cuidado.

É a violência travestida de pressa, a intolerância que escorre do egoísmo de alguns e se espalha nas ruas como manchas de incivilidade.

Não é possível aceitar que o Brasil siga figurando entre os países mais violentos do mundo, com números de assassinatos similares aos de países em guerra.

O civismo precisa assumir o lugar da brutalidade. A morte de Laudemir não pode ser apenas mais um número nessas tristes estatísticas.

A preciosa vida desse herói anônimo da coleta de lixo deve ser lembrada com respeito imenso e com uma atitude firme de permanente repúdio da sociedade contra qualquer agressão, física ou moral, aos trabalhadores da limpeza urbana e todos aqueles que prestam serviços do Estado à sociedade.

O assassinato insere-se num contexto em que se verifica, nos últimos 10 anos, o aumento de ataques em escolas.

Também ocorrem agressões morais e, às vezes, físicas contra servidores públicos em hospitais e postos de saúde, tribunais e diferentes agências de atendimento à população.

O tiro que ceifou a vida de Laudemir feriu toda a população brasileira.

Afinal, atingiu brutalmente a empatia, a tolerância e a civilidade, marcas essenciais de uma sociedade avançada e pacífica.

 

Artur Marques é presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).

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