Uma mãe busca vaga para sua filha de quatro anos na pré-escola municipal, mas não encontra.
Outra, com vaga garantida, ouve que a qualidade no município vizinho é considerada melhor.
Famílias de uma turma de alunos do 5º ano discutem, com ansiedade e dúvidas, se a mudança para uma escola estadual no 6º ano é melhor que a permanência na municipal.
Uma diretora enfrenta superlotação nas salas desde que outra escola pública do bairro adotou jornada integral, reduzindo vagas.
Essas situações revelam a urgência de um Sistema Nacional de Educação (SNE) no Brasil e o quanto isso pode impactar o dia a dia de famílias, professores e gestores.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/2019, aprovado no Senado em 2022 e atualmente em análise na Câmara dos Deputados, propõe o SNE para articular estados, municípios e União em um país com o tamanho, a complexidade e as desigualdades do pacto federativo brasileiro.
Na educação básica, estados e municípios têm autonomia na gestão de suas redes e, por vezes, no debate público, um SNE é visto como ameaça a essa independência.
Contudo, a autonomia só se sustenta por meio da cooperação mútua.
O Brasil já conta com experiências bem-sucedidas, como estados que colaboram com municípios na alfabetização, apoiados pelo governo federal em coordenação e incentivo.
Iniciativas recentes, como o programa Escola das Adolescências, voltado aos Anos Finais do Fundamental, e o Compromisso Nacional pela Qualidade da Educação Infantil, reforçam esse papel.
Sem um SNE, porém, a organização de etapas educacionais e a implementação da educação integral dependem das inclinações e flutuações de governos eleitos, comprometendo a continuidade e a cooperação entre os entes federativos.
A alocação de matrículas nos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) ilustra como o Sistema Nacional de Educação pode superar a desarticulação entre estados e municípios.
No Brasil, as matrículas dessa etapa se encontram divididas entre estaduais e municipais, e frequentemente falta coordenação.
Sem uma norma nacional para orientar essa transição, cada estado tem uma configuração própria: em Sergipe, cerca de 80% das matrículas dessa etapa são estaduais, enquanto em São Paulo e Minas Gerais os municípios são responsáveis por uma parcela dessa etapa.
Enquanto no Paraná quase 100% estão com a rede estadual, no Ceará quase a totalidade está com os municípios.
Essa diversidade não seria um problema com planejamento e diálogo entre entes federativos. Contudo, frequentemente, as redes de ensino tomam decisões de gestão e alocação de matrículas de forma isolada.
O Ministério da Educação (MEC), em um guia recente sobre o tema para o programa Escola das Adolescências, defende maior cooperação, com base em dados, para organizar vagas de maneira justa e racional.
A ausência de racionalidade na alocação de recursos evidencia a necessidade de instâncias como as Comissões Intergestores Bipartites Estaduais para promover negociações estruturadas e planejamento contínuo, independentemente de ciclos eleitorais, transformando desafios em soluções por meio de acordos claros entre os níveis de governo.
Com a criação de um sistema nacional, a articulação passa a ocorrer por meio de instâncias permanentes de negociação, cooperação e pactuação, nas quais os representantes de cada esfera se reúnem para definir metas, compartilhar responsabilidades, planejar ações conjuntas e distribuir recursos de acordo com as necessidades locais.
Esse processo é coordenado nacionalmente pelo MEC, com apoio de conselhos e fóruns que garantem a participação de todos os envolvidos, promovendo o alinhamento dos planos estaduais e municipais ao Plano Nacional de Educação (PNE), e assegurando padrões mínimos de qualidade em todo o país.
Outro desafio é justamente o acompanhamento das metas do PNE.
Apesar do papel relevante do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no monitoramento nacional, a ausência de instâncias estruturadas nos níveis estadual e municipal dificulta a integração de esforços e um monitoramento mais próximo dos territórios.
Nesse contexto, o SNE, ao instituir as Comissões Intergestores Tripartites e as Bipartites, estabelecerá pactuações claras, definindo responsabilidades entre os entes federados e garantindo maior continuidade e efetividade das ações.
Questões estruturantes, como financiamento e valorização dos profissionais da educação, também se beneficiarão dessa estruturação e governança.
A educação infantil, quase totalmente sob responsabilidade municipal, é outra etapa que pode se beneficiar de um Sistema Nacional da Educação.
A recente instituição do Compromisso Nacional de Qualidade da Educação Infantil (CONAQUEI), aliada à revisão dos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, agora com caráter normativo, representa um avanço na consolidação de diretrizes nacionais voltadas para a educação de qualidade desde os primeiros anos de vida.
No entanto, leis e normativas frequentemente não conseguem se concretizar sem o apoio devido.
Municípios com menos recursos e menor capacidade técnica enfrentam dificuldades para implementar essas orientações de forma autônoma.
Portanto, a existência do SNE pode garantir apoio técnico e financeiro contínuo aos entes com menor capacidade.
Com isso, iniciativas como o CONAQUEI deixariam de depender exclusivamente da adesão voluntária de redes locais e poderiam ser acompanhadas por instrumentos pactuados de monitoramento, formação de profissionais e avaliação interinstitucional, promovendo maior equidade e coerência nacional na oferta da educação infantil.
A aprovação do PLP 235/2019 oferece soluções robustas para uma série de pautas estruturantes nas diferentes etapas de ensino.
O próprio Plano Nacional de Educação para os próximos dez anos, atualmente em debate no Congresso, se beneficiará com esta arquitetura interfederativa para o monitoramento e alcance de metas nos níveis mais locais.
Após um período de estagnação, o projeto ganha novo fôlego na Câmara dos Deputados.
Audiências públicas com secretários de educação, governadores e sociedade civil têm enriquecido o debate, e o parecer do relator deve ser apresentado em breve.
A votação em Plenário será um teste decisivo para o compromisso do Brasil com a educação.
À luz do novo PNE, que também está em discussão, avançar na aprovação de um sistema nacional é uma meta inadiável.
Patricia Mota Guedes é superintendente do Itaú Social, mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e em Administração Pública pela Universidade de Massachusetts Amherst, graduada em Ciências Políticas pela Universidade do Arizona do Norte.
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