A tão aguardada reforma tributária, vendida como a panaceia para a simplificação e a segurança jurídica no Brasil, prometeu desatar os nós de um sistema fiscal arcaico e ineficiente.
A ideia de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) subnacional, gerou expectativas de um ambiente de negócios mais claro e previsível.
No entanto, ao olharmos para o impacto específico sobre o vital mercado imobiliário – um motor econômico e um porto seguro para o patrimônio de milhões de brasileiros – a realidade que se desenha está muito aquém da promessa original, revelando uma complexidade desnecessária e um potencial aumento de custos que pode asfixiar o setor.
A primeira e mais flagrante contradição reside na própria promessa de simplificação. O que se observa, na verdade, é um emaranhado de regras que, ao invés de clarear, apenas adensam a névoa.
Múltiplas fases de transição, regimes especiais criados para acomodar os mais diversos setores – e que, na prática, desvirtuam a pureza do IVA –, além de complexos critérios para determinar o que configura “habitualidade” nas transações, transformam o que deveria ser um sistema unificado em um mosaico de exceções.
Essa arquitetura labiríntica não só desmente a ideia de um sistema tributário mais direto, mas também gera uma incerteza jurídica que contraria frontalmente um dos objetivos mais almejados da reforma.
Pior do que a complexidade, entretanto, é o vislumbre de um aumento real da carga tributária.
A despeito de alíquotas que foram anunciadas como reduzidas para operações imobiliárias – 50% da alíquota padrão para vendas e 70% para locações –, a verdade é que o IBS e a CBS não chegam para substituir integralmente o que já existe.
Em vez disso, eles se somam a uma série de tributos já estabelecidos, como o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na compra e venda, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para a propriedade, e o Imposto de Renda (IR) sobre os ganhos de capital e rendimentos de aluguel.
Essa sobreposição de impostos cria uma espécie de “sanduíche tributário”, onde cada camada adicionada pesa sobre o contribuinte, tornando as operações imobiliárias consideravelmente mais caras e menos atrativas.
Um dos pontos mais críticos e injustos dessa nova estrutura é o risco iminente de dupla tributação, o famigerado bis in idem, especialmente no que tange aos ganhos de capital.
A intenção de tributar a “cadeia de valor” pode, inadvertidamente, levar à bitributação de um mesmo evento econômico, como a valorização de um imóvel.
Se o lucro da venda já é tributado pelo Imposto de Renda, a incidência de IBS/CBS sobre essa mesma transação representa uma penalidade adicional que não se justifica e fere princípios básicos de equidade tributária, onerando de forma desproporcional quem investe em imóveis como forma de poupança ou planejamento financeiro.
Ademais, a reforma tropeça em questões conceituais fundamentais quando tenta aplicar um modelo de IVA – concebido para tributar o “valor agregado” em bens e serviços – à locação de imóveis.
O rendimento de aluguel, em sua essência, é um retorno sobre o capital investido, não uma agregação de valor típica de um processo produtivo ou de prestação de serviço.
Tentar encaixar o aluguel de um imóvel dentro da lógica do IVA, sem as devidas adaptações ou um tratamento fiscal que reconheça sua natureza distinta, demonstra uma desconexão entre a teoria da reforma e a realidade do mercado imobiliário.
Essa falta de clareza conceitual abre precedentes para interpretações dúbias e potenciais contenciosos fiscais.
As consequências práticas dessas falhas não tardarão a se manifestar.
Com o aumento da carga tributária e a complexidade regulatória, a tendência natural é uma redução na oferta de imóveis para venda e locação.
Investidores e proprietários, desestimulados pelos custos crescentes e pela insegurança jurídica, podem optar por manter seus imóveis vazios ou retirá-los do mercado.
Isso, por sua vez, impactará diretamente os preços, que inevitavelmente serão repassados ao consumidor final, tornando a aquisição ou o aluguel de moradias ainda mais inacessíveis.
Para os proprietários pessoa física, que muitas vezes dependem do aluguel como complemento de renda ou aposentadoria, as dificuldades operacionais e os custos de conformidade podem se tornar um fardo insustentável.
E, como sempre, onde há complexidade e incerteza, a litigiosidade floresce, sobrecarregando o sistema judiciário e prolongando a insegurança para todos os envolvidos.
Em suma, a reforma tributária, no que diz respeito ao mercado imobiliário, parece ter falhado em cumprir suas promessas mais básicas.
Longe de simplificar, ela adiciona camadas de burocracia; ao invés de garantir segurança jurídica, semeia dúvidas; e, no lugar de promover um ambiente econômico mais dinâmico, corre o risco de encarecer e estagnar um setor fundamental.
É urgente que os legisladores e formuladores de políticas públicas revisem criticamente os impactos dessas mudanças no mercado imobiliário, promovendo ajustes que realmente alinhem a reforma com os princípios de justiça, simplicidade e fomento econômico.
Do contrário, o que foi prometido como um avanço pode se tornar um novo entrave para o desenvolvimento e o acesso à moradia no Brasil.

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia por Harvard, professor titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas. Foi Secretário Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos-FINEP, Secretário do Planejamento do Município de São Paulo, Secretário de Finanças do Município de São Bernardo do Campo, Secretário do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Município de São Paulo e Subsecretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo. Foi Vereador e Deputado Federal.
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