Meu amigo Noel,
Escrevo não como quem pede, mas como quem reflete.
Crescer foi entender que os desejos mais profundos não são materiais. Eles são éticos.
Dizem respeito à forma como vivemos, convivemos e permanecemos humanos em um mundo que acelera sem perguntar se ainda estamos acompanhando ou apenas sendo levados.
Outro dia, encontrei meu eu do passado no silêncio.
Ele acreditava que sucesso era linha reta, que esforço garantia resultado, que o futuro obedecia planejamento. Não era ingenuidade.
Era falta de cicatriz. A vida não cumpriu promessas literais, mas entregou aprendizado, limite e profundidade.
Entregou humanidade, que não cabe em gráficos.
Vivemos cercados por cidades chamadas inteligentes. Medem fluxos, desempenho, produtividade.
Mas não medem o cansaço invisível, a ansiedade difusa, a exaustão que começa no corpo antes de virar discurso público.
Onde faltam árvores, sobra irritação. Onde falta sombra, o pensamento encurta e o convívio se fragiliza.
Ilhas de calor não são apenas fenômenos climáticos. São sintomas de escolhas urbanas e culturais acumuladas no tempo.
Revelam a dificuldade de equilibrar técnica com cuidado, eficiência com permanência, inovação com respeito.
Uma cidade que não protege o corpo de quem a atravessa falha, ainda que seus sistemas funcionem perfeitamente.
A tecnologia avança. A inteligência artificial aprende rápido. Ainda assim, nenhuma máquina sabe sustentar esperança quando o chão parece instável.
Isso continua sendo trabalho humano, diário e silencioso. Esperança não é algoritmo. É decisão consciente, repetida mesmo quando cansa.
Resiliência não é heroísmo. É continuidade lúcida.
É saber quando seguir, quando parar e quando mudar de rota.
É respeitar o próprio limite e o limite do outro, mesmo quando o mundo pede velocidade e celebra apenas quem nunca descansa.
Dizem que até o seu endereço simbólico sente os efeitos da mudança climática.
Talvez seja o lembrete definitivo de que não há neutralidade possível.
Esperança não é ingenuidade. É escolha ética, reiterada todos os dias, como você ensinou antes de virar símbolo.
Se alguém parar, respirar fundo ou chorar em silêncio ao ler esta carta, ela terá cumprido sua função.

Alessandro Lopes é arquiteto, urbanista, mestre em Direito Ambiental, pesquisador em Cidades Criativas e Inteligentes. É assessor técnico e consultor regional do Instituto Multiplicidades. Instagram: @alessandrolopes.arq
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