Mesmo que justificada por ter o intuito de salvaguardar interesses da população e saudada pelos partidos de oposição ao atual Governo como uma medida importante para o resgate da relevância e a autonomia de um poder constituído, a iniciativa simbólica adotada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), de devolver ao Executivo Federal medidas provisórias que integram o pacote fiscal proposto pela presidenta Dilma Rousseff (PT) visando o equilíbrio das contas públicas traz em seu bojo traços evidentes do oportunismo político e, por isso, expõe com extrema clareza a relação conflituosa hoje estabelecida entre o Palácio do Planalto e sua base de apoio parlamentar no Congresso Nacional.
Apesar de ter sido criada sob o preceito constitucional que faculta sua utilização em casos emergenciais, a adoção de medidas provisórias tornou-se uma prática corriqueira ao longo de sucessivos governos, principalmente a partir da submissão dos congressistas das bases aliadas, que sempre preferiram se locupletar com benesses, cargos e espaços de poder concedidos em contrapartida a trabalhar como legisladores comprometidos em fiscalizar, elaborar e aprimorar leis voltadas a preservar os interesses da população.
A dignidade, altivez e autonomia evocadas por Renan Calheiros para justificar sua decisão de salvaguardar o papel constitucional do Senado, convenhamos, são substantivos que há muito deixaram de constar nos dicionários de grande parte dos senadores e hoje, está claro, são termos aludidos apenas nas retóricas de conveniência.
O histórico de complacência com atos unilaterais do Governo e a corrupção endêmica que afeta a política nacional tornam difícil a crença sobre os reais propósitos contidos na postura independente ora preconizada pelo Congresso, ao mesmo tempo em que evidencia a urgente necessidade de aperfeiçoamento do regime democrático vigente. Nesse sentido, mais do que nunca, a reforma política deve ser tratada como prioridade na atual legislatura, afim de restabelecer o equilíbrio de forças e proporcionalidade entre os poderes, reduzindo ao máximo a possibilidade das práticas de chantagem e de barganha políticas.
O atual momento de decepção com as instituições representativas não pode frustar as perspectivas de um futuro melhor para o País que, sabe-se, deve dedicar maior atenção à formação educacional das novas gerações de brasileiros, em todos os seus níveis. Sem ações consistentes nesta área torna-se impossível construir uma nação moderna e justa com seus habitantes, permitindo a escolha de representantes qualificados e comprometidos com o bem comum. O Brasil pode e deve contrariar a tendência pessimista sublimando o estado democrático de direito, pois é isso, por certo, que todos desejam.
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