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16 DE OUTUBRO DE 2009

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Alerta que vem do mar

O ditado Há muitos outros peixes no mar, para quando o amigo (a) perde a (o) namorada (o), pode estar a caminho de perder sua razão de existir em relação à pesca. Com o número crescente de espécies em declínio nos oceanos, constatação causada por motivos que vão desde as variações do clima às práticas […]

Por: Da Redação

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O ditado Há muitos outros peixes no mar, para quando o amigo (a) perde a (o) namorada (o), pode estar a caminho de perder sua razão de existir em relação à pesca. Com o número crescente de espécies em declínio nos oceanos, constatação causada por motivos que vão desde as variações do clima às práticas predatórias, que comprometem o ciclo de vida de determinados tipos de peixe, a existência desses seres marinhos está ameaçada, fato notado cada vez mais por quem estuda e vive da pesca.

Paulo Augusto Radis é peixeiro e trabalha com pescados há dez anos, embora esteja no Mercado de Peixe, na Ponta da Praia, há apenas um ano. No entanto, o tempo já foi suficiente para que constatasse a queda na captação de determinadas espécies, elevando seus preços. “Veja o peixe-porquinho, por exemplo. Há alguns anos, ele era bem popular e seu preço não chegava a cinco reais o quilo. Hoje,  varia de R$ 15 a R$ 19”, explica.

Peixeira e filha de pescadores, Elaine dos Santos Cavalcanti também nota uma redução drástica na quantidade e variedade de pescados que chegam aos pontos de venda. E mais uma vez, o resultado da dificuldade é um preço mais salgado para o bolso, tanto dos vendedores, como dos clientes. “A gente entende porque o pescador acaba gastando uma média de R$ 70 a R$ 100 por dia com equipamento. E como a pesca está defasada, pesca-se menos e assim não dá para baratear”, lamenta.

Uma das consequências desse aumento de preço é o menor consumo por parte da população, com nível abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a entidade, o ideal é que o consumo per capita de peixes seja de 12 quilos/ano. No entanto, no Brasil, a média é de 7 quilos anuais. “Com isso, o brasileiro opta pela carne, que está custando quase a mesma coisa e tem uma durabilidade maior”, conclui Radis.

Excessos
A principal razão para o desaparecimento de algumas espécies e quase extinção de outras é a chamada sobrepesca. Em linhas gerais, trata-se da extração acima do limite recomendado para a pesca de determinados tipos de peixe. E isso não afeta apenas Santos ou a costa Sul-Sudeste, da qual as águas da região fazem parte. Segundo o diretor técnico do Centro do Pescado Marinho, órgão do Instituto de Pesca do Estado de São Paulo, Antônio Olinto, o problema é de caráter mundial.

De acordo com Olinto, em média, a retirada considerada aceitável de peixes em determinado cardume é de aproximadamente 10% do que há no local, para que haja uma sustentabilidade da espécie, como se fosse uma caderneta de poupança.

“Você deposita uma quantia todo mês na conta do seu filho pequeno. Aí ele cresce, com uma quantidade razoável de dinheiro na conta, só que se ele tirar metade logo de cara, ele ficará defasado no outro ano. É o que acontece na natureza quando há sobrepesca”, explica. “Assim, diminui-se a taxa de reposição de determinados peixes”, conclui.

A chefe regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Ingrid Oberg, ressalta que muitos “estoques” de peixes de caráter mais comercial (ou seja, que costumam ser consumidos) já estão em falta, como os de camarão rosa e sardinha — este último, peixe tradicionalmente encontrado na região — devido à sobrepesca.

Ela reconhece também que outros fatores colaboram para que determinados peixes surjam com maior ou menor intensidade em certos lugares, como as mudanças climáticas e seus efeitos na água. No entanto, ela reforça que a pesca em escala maior do que a ideal é o grande agravante da redução na produção de espécies importantes.

“O pescador quer sempre pegar o máximo. Ele não vai pensar em deixar um cardume para que  possa se reproduzir e dar mais peixes no outro ano. Não há esse tipo de mentalidade”, avalia. “No Brasil, a política de pesca agiu por muito tempo na contramão da sustentabilidade, com a política de ‘quanto mais barco, mais peixe’, porque se acreditava haver um estoque infinito de pescados”, completa.

Por fim, a chefe regional do Ibama acrescenta que, na verdade, o Brasil não possui um território amplamente piscoso, e que, com os excessos, é ainda mais prejudicado. Segundo ela, países como Chile e Peru, pela proximidade de correntes mais frias — como Humboldt —, têm uma gama maior de espécies, e por isso, a pescaria nesses locais é mais facilitada. De fato, essas correntes são mais ricas em plâncton, nutriente utilizado como alimento por muitos peixes, aumentando a abundância.

Abusos e falhas afetam o defeso

Não bastassem as sobrepescas, há ainda as pescarias que se dão nos períodos de reprodução dos peixes, o chamado defeso. Trata-se de uma época do ano, cuja duração varia de espécie para espécie, quando a captura de determinados peixes é proibida, para que estes possam se reproduzir.  No entanto, tal como ocorre com a pesca acima do limite, a fiscalização, embora ocorra, encontra dificuldades.

No Brasil, o pescado é um recurso da União, o que torna o acesso restrito. Em determinadas regiões, como as que envolvem parques ecológicos (Juréia, próximo a  Peruíbe; Xixová-Japuí, em São Vicente e Laje de Santos) e plataformas de petróleo, como Mexilhão e Merluza (numa área de 500 metros no entorno), a pesca é proibida, assim como não é permitido o arrasto por redes até 1,5 milhas da costa (aproximadamente 2,7 quilômetros). Porém, é a fiscalização no mar enfrenta dificuldades, devido à variedade de embarcações.

Segundo o diretor técnico do Centro do Pescado Marinho, do Instituto de Pesca de São Paulo, Antônio Olinto, um exemplo é o credenciamento para a pesca de camarão-sete-barbas. “Nós temos, autorizados, cerca de 800 barcos para esse tipo de pescado, mas estima-se haver mais de mil embarcações à procura deste crustáceo”, relata. “E para pescas de pequeno porte, que não chegam a 15 toneladas, é ainda mais difícil o monitoramento, já que os barcos com cargas maiores são rastreados por satélite”, explica.

A fiscalização no mar é feita pela Polícia Ambiental, enquanto, por terra, é de responsabilidade do Ibama. Mas nem todos os locais têm o mesmo monitoramento,  ocasionando um índice maior de furo aos defesos em determinados lugares do que em outros. “Na Laje de Santos, por exemplo, é pouco comum alguma irregularidade, por ter uma fiscalização mais rígida. Já na Estação Ecológica dos Tupiniquins (no litoral sul paulista), o monitoramento ainda é menor, e  há uma incidência maior de pescarias”, explica Ingrid Oberg, chefe regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Outra dificuldade — essa de cunho público — diz respeito ao atual momento do próprio Ibama no setor. Conforme Ingrid, desde a criação do Ministério da Pesca e a divisão do órgão para a qual trabalha, com a criação do Instituto Chico Mendes, ainda não há uma definição do posicionamento que o Ibama terá quanto ao segmento. “Ainda se estão estabelecendo critérios. O problema é que, com  isso,  projetos para reforçar a regularização ambiental ficam parados”, lamenta.



Social
Uma das questões mais delicadas envolve principalmente a chamada pesca artesanal, efetuada, na maioria das vezes, por pessoas de características humildes, e que, pela necessidade em coletar determinados tipos de peixe, até em razão da demanda, acabam furando defesos em busca de  dinheiro para tocarem a vida — às vezes, até para limpar o nome, como o caso de um pescador, que não quis se identificar à Reportagem por dizer ser “fugitivo” da polícia.

Legalmente, a pesca para consumo próprio, ou seja, sem intenção de venda, é “aceitável” em períodos de defeso. No entanto, na visão do diretor técnico do Centro do Pescado Marinho, os casos envolvendo pescadores artesanais devem ser analisados com cuidado. “A pesca é uma atividade econômica, antes de tudo, e ela é mais importante onde há um menor  índice de desenvolvimento humano. E para essa fatia da população, a carência de políticas públicas é grande. Então muitas vezes, o que o pescador sente que a preocupação da sociedade com a sardinha é maior do que com ele e os filhos”, ressalta. “Nesse caso, a equação ambiental-social é muito mais complexa”, reflete.

Uma das recomendações é a de que a própria população — e, por consequência, os vendedores — colaborem, evitando o consumo de espécies que estejam em período de defeso quando não congelados (pescadas antes da pausa para reprodução), e sendo cautelosos na aquisição de peixes que estejam perdendo sua abundância nas águas e até proibidos. “Com menos procura, o interesse em buscar peixes durante o defeso ou sob risco será menor”, conclui Olinto.

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