Escavações arqueológicas na área das obras do residencial Santos I, no bairro Paquetá, revelaram milhares de peças e fragmentos que remontam ao período em que o bairro era habitado pela elite santista, no final do século 19.
Sendo assim, em meados do século 20, o Paquetá viveu um violento processo de desvalorização imobiliária, com os casarões antes ocupados pela classe alta transformados em cortiços.
Agora, a região passa por revitalização, com a construção do residencial popular voltado para os moradores de cortiços.
Dessa maneira, capitaneada pela Companhia de Habitação da Baixada Santista – COHAB Santista, com recursos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).
A empresa especializada em arqueologia A Lasca teve contratação para pesquisar a área. E garantir que a história local seja preservada a partir da recuperação de milhares de louças, vidros, utensílios domésticos e itens construtivos, como telhas marselhesas e beirais portugueses decorados com pinturas.
As escavações foram feitas entre janeiro e maio deste ano por quase todo o terreno onde agora estão sendo feitas as obras de construção dos apartamentos. São 1.207 fragmentos de louças, a maioria importadas, e 1.068 vidros que representam garrafas do século 19, também importadas.
Desse modo, mostrando toda a pujança daquela elite que habitou a região sobretudo nas duas últimas décadas dos 1.800 e nos primeiros anos do século 20.
História
A alta sociedade santista se mudou para o Paquetá no século 19, quando o centro da cidade passou a ser muito movimentado. Já havia ocupação no Paquetá desde 1820. Mas a expansão se deu, de fato, a partir de 1860, com a estação ferroviária da São Paulo Railway no Valongo. O Porto de Santos tornou-se um dos mais conectados com o mercado global. E a chegada da ferrovia acelerou a mercantilização do porto e a circulação de pessoas.
Os movimentos para ocupar o Paquetá se iniciaram em 1820, se estendendo principalmente até 1880. No entanto, a expansão realmente significativa do bairro se iniciaria principalmente a partir da década de 60 dos oitocentos.
Portanto, com a chegada da estação ferroviária no Valongo da São Paulo Railway, deixando o escoamento do café para o mercado internacional facilitado. E contribuindo para tornar o porto de Santos um dos mais conectados com o mercado global.
Com a expansão do porto de Santos, ainda no final do século 19, aquela elite que construiu os casarões acabou abandonando o bairro para localidades de mais calmaria, como eram o Boqueirão e o Gonzaga.
A arqueóloga Cristiane Amarante informa que a descoberta reforça que esses sítios evidenciados no Paquetá mostram partes da história de Santos no período pós colonização, depois da chegada dos portugueses.
Portanto, ela comenta que todos os sítios arqueológicos pós colonização contam não só a história do território, mas também são testemunhos políticos e econômicos do desenvolvimento do Brasil.
Ela alerta que quando se destrói um sítio arqueológico se apaga uma memória, remete a mesma atitude que rasgar fotos ou queimar documentos.
“Às vezes, dizemos que as questões relacionadas ao patrimônio cultural são até mais preocupantes que as do patrimônio natural. Muitas vezes, uma área natural destruída pode ser recuperada, um sítio arqueológico destruído, acabou! Não há mais como reconstruí-lo, um povo sem memória perde a referência, deixa de saber quem é e de onde veio”.
Cristiane afirma que abalar a preservação cultural trata-se também de abalar a autoestima, a identidade, e o orgulho próprio. Muitas vezes, alguns brasileiros admiram isso nos povos europeus, que tem orgulho da própria história. Assim, ela expõe que preservar permite defender o que é do povo brasileiro no presente para dar ainda mais orgulho às gerações futuras e mais “garra” para continuar crescendo.
Objetos
A classe alta deixou os casarões e um rastro de objetos que, agora reconstituídos, desenham o glamour com que viviam essas pessoas. Entre a cerâmica e as louças, há faiança fina, louças francesas e inglesas, todas com pinturas que remontam as ilustrações da moda na época. Nas pinturas, a predominância da cor azul e as estampas florais, pintadas com muita delicadeza.

Foto: Divulgação
Entre os produtos raros descobertos pela A Lasca, há potes de porcelana usados para guardar creme dental.
Assim como, um item de higiene que só era difundido no Brasil, naquela época, entre a elite. Os fragmentos dos potes revelam que três são ingleses e um é alemão.
Todas as peças encontradas já passaram pelos processos laboratoriais, de catalogação e se encontram na sede da A Lasca Arqueologia, em São Paulo, no aguardo para serem transferidas para o Museu Municipal Elisabeth Aytai, de Monte Mor (a 200 quilômetros de Santos), instituição autorizada pelo Iphan para guardar o acervo.
Mas isso pode mudar. A arqueóloga e diretora da A Lasca, Lucia Juliani, afirma que a preferência é sempre ficarem no município onde foi encontrado o sítio arqueológico. Lucia Juliani explica que “o destino desse material obedece às regras determinadas pelo Iphan ( Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), como entregar a uma instituição de guarda que fique localizada dentro do Estado de São Paulo e esteja apta a acolher as peças”, disse.

Foto: Divulgação
Importância
Além disso, o Presidente da COHAB Santista, Maurício Prado, explicou a importância das descobertas na obra: “Santos, por se tratar de uma cidade histórica, falando especificamente no bairro do Paquetá, já tínhamos conhecimento que no século XIX a área havia sido ocupada pela alta sociedade que aqui morava.
Dentro do processo de revitalização do Centro Histórico da Cidade, é de suma importância a construção de moradias de interesse social. Mas também, o trabalho de escavação e pesquisas de materiais que possuem representatividade e valor histórico. Então, essa descoberta foi um grande ganho, um trabalho conjunto para que se possa revitalizar. E ao mesmo tempo, conhecer mais sobre as pessoas que moraram naquele local, servindo de acervo para contar um pouco da História do Brasil e dos imigrantes que muitas vezes chegaram a nosso país pelo Porto de Santos”.
Cristiane percebe que a arqueologia e o ensino podem permitir que as pessoas sejam mais tolerantes com a diversidade. Assim como compreender que pessoas do passado viveram no mesmo espaço que as pessoas de hoje, tendo outras relações com o espaço e entre elas. “Construir um sistema cultural diferente do atual pode permitir que a pessoa se abra mais para perceber que o ser humano é muito mais multifacetado do que nossa percepção do presente permite notar”.
Fonte: A Lasca Arqueologia *
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