Uma briga de foice na Câmara Federal, que atiçou as esperanças de 7.343 postulantes à vereança em todo o País, sendo seis em Santos, e gerou uma discussão que vai além do aumento de componentes nas câmaras e seus conseqüentes reflexos administrativos e estruturais. É o que trouxe a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que aumenta o número de vereadores no Brasil e cujo texto já indicava sua validação a partir dos resultados do pleito de outubro passado.
Especialmente na quinta-feira (18), a PEC dos vereadores causou alvoroço ao, durante a madrugada, ser aprovada no Senado Federal para, à tarde, o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT), anunciar que a medida não seria promulgada, pelo fato da proposta do Senado ter sido alterada, mais especificamente em seu artigo 2º, sobre a redução de custos nas câmaras municipais, que foi suprimido e transformado em uma PEC paralela, com votação prevista para fevereiro.
A alteração fez com que a Câmara tomasse a decisão de analisar novamente a proposta.
A pressa em votar a PEC fez com que o Senado recorresse ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que a emenda seja promulgada ainda este ano. Um dos objetivos é fazer com que o efeito já recaia para as eleições passadas, o que levaria novos 7.343 candidatos a vereador ao poder. Em Santos, a medida beneficiaria os candidatos Mantovani Calejon (PV), Reinaldo Martins (PT) – ambos vereadores não reeleitos – Professor Kenny (PRP), Eustázio (PTB), Valdir Nahora (PSB) e Luciano Marques (PMDB).
Mas o ‘buraco’ é mais em baixo, indo além da entrada ou não dos vereadores já para 2009. Coloca-se em voga a animosidade dos poderes Legislativo e Judiciário e, ainda mais, uma intriga política entre Câmara e Senado, dentro do próprio Legislativo, como aponta o cientista político, Fernando Chagas. Segundo ele, as primeiras evidências estão na não-promulgação da PEC na Câmara dos Deputados e na pressa do Senado em aprovar a emenda.
“Uma emenda constitucional, quando chega à Câmara, deve ser promulgada. É o que diz a Constituição. Por isso, é provável que o STF acate o mandato de segurança que o Senado requisitou e promulgue a PEC. Mas o próprio Senado também errou ao alterar o texto da proposta e não o devolvê-lo à Câmara para nova apreciação, devido à pressa que tem para aprová-la. Isso deixa clara a falta de entrosamento entre os dois campos do poder Legislativo”, diz.
Para o advogado e professor da faculdade de Direito da Universidade Santa Cecília, Marcelo Henrique Gazolli Veronez, a motivação para que o Senado tenha buscado o Tribunal tem relação com duas ocorrências anteriores onde também ocorreram artigos que foram suprimidos e transformados em PEC paralela e, mesmo assim, o projeto foi acatado pela Câmara.
“A posição seria compreensível se não houvessem esses precedentes. E não foi um, mas dois, sendo um deles em 2004, com a Reforma do Judiciário, e em 2005, com a Reforma da Previdência. Com isso, o Senado deu entrada nesse embate político e acionou o STF”, explica. “É importante ressaltar que ambos os precedentes foram negociados entre as Casas, o que não ocorreu agora. Por isso, estamos prestes a presenciar a judicialização da política, opção válida, mas extrema, que sempre atrita as relações entre os poderes da Federação”, diz.
Além disso, o cientista político Fernando Chagas relaciona, ainda, a pressa com o interesse do Congresso em “demarcar território” perante o poder Legislativo. Até porque, mesmo após a pro mulgação, a tendência é que o STF, em nova apreciação, acabe impedindo que os vereadores sejam empossados já em 2009, com a alegação de que qualquer alteração que envolvesse o resultado das eleições devesse ser feita até um ano antes das disputas.
“O Legislativo, por sua vez, vai alegar que, quando houve a redução no número de vereadores, em 2004, a medida também foi tomada após o prazo limite, a poucos meses das eleições”, explica o cientista político, que completa: “A indignação do Congresso ocorre pelo Tribunal ter legislado sobre o tema na ocasião, quando sua função seria apenas a de julgar. Há aí um choque de poderes. A pressa na aprovação da PEC é, principalmente, para mostrar que legislar é função do Legislativo, ou seja, mostrar força”.
O discurso do Congresso de que há uma ‘ditadura do Judiciário’ é reforçado por Chagas, que toma como exemplo o desacordo entre Câmara e Senado na promulgação da PEC. “Como eles querem reforçar o Legislativo, que está enfraquecido, está travado pelas Medidas Provisórias (MP) do Executivo e abre brechas para que o Judiciário legisle se não entram em consenso entre eles?”.
Reflexos
Com a indefinição a cerca da promulgação da PEC, surgem as especulações sobre as conseqüências de um efeito imediato — embora a tendência seja a de que isso não ocorra mais. No campo administrativo, os primeiros reflexos atacariam a estrutura. Atualmente, a Câmara de Santos, por exemplo, não teria espaço para que os novos vereadores que passariam a freqüentá-la pudessem se estabelecer. Com isso, seria necessário buscar escritórios próximos até meados de 2010, quando o novo prédio do Legislativo estará concluído, com espaço para 25 gabinetes.
No entanto, além das especulações de última hora, o presidente da Câmara, Marcus de Rosis (PMDB), citou ainda um aumento nas despesas da Casa, que ultrapassaria os R$ 5 milhões, fazendo com que uma nova análise sobre o orçamento municipal e o conseqüente repasse ao Legislativo tivessem que ser revistos. Hoje, o repasse é de 3,9%, ou algo em torno de R$ 38 milhões, sendo que R$ 14 milhões são destinados à construção da nova sede.
Ainda assim, o vereador, que deve continuar como presidente da Câmara na próxima legislatura, disse que, até que venha a instrução do STF nenhuma atitude será tomada. “Discuto o número excessivo de cargos que existirão. Acredito que 20 nomes seriam suficientes, no máximo. Agora, se (a PEC) for promulgada para já, precisaremos buscar informações sobre todos os procedimentos legais, até porque isso reflete em gastos e problemas. No fundo, tudo não passa de uma tentativa de se obter novos cabos eleitorais para as eleições de 2010”, critica.
A decisão de Marcus de Rosis é vista como “adequada” por Chagas. “A cautela é necessária, pois é complicado tomar ou se pensar em decisões sem a regulamentação do que ocorrerá. No entanto, partidos e vereadores que se sintam prejudicados poderão acionar a Justiça, o que pode atrasar o andamento da Câmara”, prevê..