Imóvel tem dois andares – construído de forma parcial – onde abrigará até 215 crianças pequenas que moram nos morros da Nova Cintra e São Bento. Foto: Nando Santos
A decisão da Secretaria Municipal de Educação em credenciar e firmar convênio com a creche Anjos do Amanhã e Educação Infantil (antiga Solar dos Anjos Creche e Educação Infantil), no Morro da Nova Cintra, em Santos, para abrigar até 215 crianças em período integral para creche (25 vagas para berçário, 144 para maternal) e pré-escola (jardim/pré, com 46 vagas) é envolta em dúvidas. E como a creche também pode atender de forma particular, o número total de crianças a dividir o espaço pode ser até superior.
Algumas curiosidades chamam a atenção, que vão desde as condições de participação dos interessados (apenas a entidade, criada em maio passado, se inscreveu, contrariando o edital, que previa tempo mínimo de um ano de existência) até o próprio espaço físico aparentemente insuficiente para abrigar tantos bebês e crianças de forma simultânea (o convênio prevê atendimento em período integral).
Pelo número de vagas a serem oferecidas, a entidade está habilitada a receber R$ 83.943,71 mensais até dezembro pelo atendimento das 215 crianças em período integral, sendo R$ 11.938,25 referente as 25 vagas no berçário; R$ 57.127,68 para 144 vagas no maternal e R$ 14.877,78 no jardim pré.
A Anjos do Amanhã localiza-se em um imóvel de esquina à Rua Moysés de Freitas, 14, uma via tranquila no Morro da Nova Cintra. Outrora, funcionava no imóvel outra creche, a Solar dos Anjos.
Na comparação entre as fotos de 2011 do Google Maps e atuais é possível ver que o imóvel ganhou, ainda que de forma parcial, um andar em parte da construção. Boa parte do espaço superior tem grades e cortinas plásticas.
Creche Solar dos Anjos, em foto de 2011 (Foto: Google Maps)
Fachada da antiga creche em foto de 2011, bem semelhante aos dias atuais. Foto: Google Maps
Credenciamento
No dia 27 de junho passado, a secretaria lançou edital de credenciamento de Organizações da Sociedade Civil (OSC) em busca de entidades interessadas para atendimento, a partir do segundo semestre, a 215 crianças moradoras de áreas do Morro São Bento e Nova Cintra.
Entre os itens obrigatórios aos participantes estava o fato da entidade ter, no mínimo, um ano de existência, com base em documentos da Receita Federal. A Anjos do Amanhã foi oficialmente criada apenas em 5 de maio passado.
Outro fato que chama a atenção é o período de inscrições para as organizações interessadas participarem: de 3 a 7 de julho, conforme o edital.
No mesmo dia de abertura às interessadas (3 de julho), a portaria 58/2017, assinada pelo secretário de Educação, Carlos Alberto Ferreira Mota, designou uma comissão responsável pela análise de documentação, vistoria do prédio, dos materiais, equipamentos e instalações, do plano pedagógico e regimento escolar para emitir parecer conclusivo sobre a solicitação de autorização para o funcionamento e instalação da entidade educacional, fato referendado pela comissão e publicado no Diário Oficial de Santos no dia 19 de julho com a atribuição das vagas à entidade escolar.
Entidade localiza-se no Morro da Nova Cintra e foi habilitada pela Secretaria de Educação para abrigar até 215 crianças, o que a credencia a receber quase R$ 84 mil mensais até o final do ano. Foto: Nando Santos
Certamente, a equipe responsável em vistoriar o imóvel deve ter verificado que o espaço físico aparenta ser insuficiente para atender 215 crianças em período integral.
Área demarcada da creche localizada no Morro da Nova Cintra em foto de 2011. Imóvel acrescentou um andar de forma parcial ao terreno, mas não sofreu alterações de forma horizontal. Foto: Google Maps/Divulgação
Áreas de lazer?
Não existem áreas livres no imóvel e dificilmente a unidade atende os parâmetros básicos de InfraEstrutura para Instituições de Educação Infantil, conforme recomendação do Ministério da Educação (2006).
O órgão sugere que a área mínima para todas as salas para crianças de 0 a 6 anos contemple 1,50 m2 por criança atendida “considerando a importância da organização dos ambientes educativos e a qualidade do trabalho. Recomenda-se que a metragem das salas seja a mesma, independente da faixa etária, possibilitando alterações nos agrupamentos, de acordo com a demanda da comunidade”. Portanto, apenas para as salas de aula deveriam ser destinados 322,5 m2.
A Reportagem do Boqnews.com esteve no local em duas ocasiões e constatou crianças tendo atividades em um pequeno espaço fechado (como se fosse uma antiga garagem adaptada).
Borrachões usados para evitar as quedas dos menores estavam colocados do outro lado da calçada da rua para, aparentemente, tomar sol, demonstrando a falta de áreas livres para captação de luz solar. Na primeira ocasião, poucas crianças encontravam-se no imóvel.
Na segunda, após a publicação do edital no Diário Oficial, o volume de menores já havia crescido consideravelmente. O funcionamento nas unidades de período integral ocorre das 7h30 às 16h30, de segunda a sexta.
Críticas
Para se ter ideia do tamanho físico do imóvel da entidade conveniada, a escola do Marapé que está sendo construída pela Prefeitura na Avenida Moura Ribeiro, 170, terá 1.106 m2 de área total, sendo 819 m2 de área construída, com capacidade para atender 147 crianças de até três anos – quase 30% a menos que a unidade do Morro da Nova Cintra.
A contratação de uma Organização da Sociedade Civil para suprir a falta de vagas em creches e pré-escola é criticada pelo Sindicato dos Servidores de Santos.
Segundo o 1º vice presidente do Sindserv, Cássio Canhoto, este tipo de contratação visa terceirizar serviços que seriam de competência da Prefeitura, algo que já ocorre na área da saúde, com a UPA Central e o Hospital dos Estivadores, ambas entregues às Organizações Sociais.
A Reportagem tentou contato com a entidade pelos telefones 3258-64xx e 3258-79xx, sem sucesso. Ambos constam na internet. Também enviou e-mail para [email protected]om, mas não obteve resposta.
Prefeitura
Por intermédio da Secretaria de Comunicação, a Prefeitura de Santos nega irregularidades na contratação da creche Anjos do Amanhã.
Segundo a Secretaria de Educação, o edital previa dois momentos. No primeiro, o credenciamento, onde verificou-se a questão da regularidade jurídica e o enquadramento da entidade a ser credenciada.
No segundo momento, houve a celebração do termo de fomento. A justificativa para a celebração do convênio foi que a creche atendia todos os quesitos do edital, exceto o da existência de mais de um ano.
“No entanto, nenhuma outra entidade se inscreveu para o credenciamento. Desta forma, a comissão entendeu que deveria credenciar para que não houvesse descontinuidade de serviço para aquela comunidade, que precisa de vagas para atender as crianças”.
A Seduc acrescenta ainda que o edital previa a redução desse prazo “por ato específico da autoridade competente, na hipótese de nenhuma organização atingi-los”.
Sem problemas
Quanto à coincidência do mesmo dia das inscrições terem sido abertas para credenciamento das entidades (3 de julho) e o fato da Seduc ter baixado a portaria nomeando profissionais para analisar a documentação, vistoria o prédio e as instalações do funcionamento da creche, a pasta esclarece que o “processo de autorização de funcionamento está atrelado exclusivamente à segunda fase do edital… Por isso, não existe problema algum em, assim que publicado o resultado, a comissão ser instituída para realizar a autorização do funcionamento”.
Quanto ao espaço físico do imóvel, a Secretaria de Educação assegura que “é possível acomodar 215 crianças na referida unidade, uma vez que os alunos utilizam vários espaços ambientes para desenvolver atividades que propiciam experiências apropriadas e necessárias para a faixa etária. Desta forma, os alunos circulam nas dependências disponíveis na escola, realizando atividades pedagógicas específicas”.
A Seduc informa que está em fase de estudos para a implantação de novas creches nos morros de Santos, mas não divulgou detalhes.