“Era mais um dia de pedalada. Saí bem cedo de casa e encontrei o grupo para fazer a tradicional atividade nas estradas da região, porém quando cheguei na ponte do Rio Casqueiro, em Cubatão, dois indivíduos em uma moto fizeram a abordagem com a arma e roubaram minha bicicleta, relógio e aliança. Por sorte, não puxaram o celular, como eu estava puxando a fila dos ciclistas, acabei sendo a vítima e tive que voltar andando para Santos”
A história contada por Jefferson C. não é novidade. Nos últimos meses, os ciclistas têm enfrentado o medo e a falta de segurança nas estradas da Baixada Santista para realizar suas respectivas atividades.
Jefferson, que teve um prejuízo de mais de R$ 20 mil, conta que os bandidos têm se aproveitado da ausência de fiscalização para realizar os assaltos, buscando qualquer oportunidade para cometer o roubo, independentemente do valor. O ciclista ressalta que após o assalto no início do ano, ele diminuiu os dias de atividade e os percursos “Agora procuro pedalar com grupos maiores e evito alguns locais, buscando justamente uma segurança maior”.
Já um ciclista que preferiu não divulgar seu nome, passou duas vezes pela mesma situação em menos de um ano.
Ele cita que por conta da pandemia da Covid-19 procurou um esporte para praticar, pois estava acima do peso . “Diante das restrições de várias modalidades, optei pelo ciclismo por ser ao ar livre e principalmente pelo fato de eu já ter experiência com a bicicleta, mesmo parado há 11 anos”.
Assim, ele começou a fazer atividades em grupos pelas estradas e nas ciclovias da região. Logo nos primeiros meses de treinamento, em julho do ano passado, o ciclista acabou sofrendo um assalto na altura do Parque Bitaru, em São Vicente.
“Estava atrás do pelotão, quando os indivíduos chegaram de bicicleta e me derrubaram com uma bruta violência. Poderia ter se machucado de forma grave. Felizmente, só tive alguns ferimentos, mas minha bicicleta foi levada”.
O ciclista contou que os suspeitos entraram em contato para negociar o valor da devolução da bicicleta.
Após o episódio, ele e os ciclistas que fazem parte do grupo tomaram mais cuidado. Entretanto, a ação dos bandidos continuou.
“Há dois meses, estávamos treinando na Rodovia Cônego Domênico Rangoni em Guarujá. Um homem com um pedaço de pau atravessou o acostamento e me acertou de raspão. Como vi ele antes, consegui desviar. Entretanto, ele insistiu em fazer a ação com outros ciclistas, mas ficou assustado com a reação de algumas pessoas do grupo”.
O ciclista salienta que está procurando outras rotas para realizar a atividade e que a abordagem dos bandidos é de forma violenta.
“Para se ter uma ideia, existem pessoas fazendo seguro de bicicleta, algo impensável há alguns anos”.
Recentemente, quem passou por um assalto foi o ciclista José Mondin no mesmo ponto da Cônego Domênico Rangoni, próximo a um hipermercado.
“Nos últimos meses, a situação está muito complicada, você já sai de casa com a sensação de poder ser assaltado”, conta Mondin.
Em abril, o ciclista foi surpreendido por dois homens que estavam armados “Os bandidos invadiram a pista e me acertaram com a arma. O impacto foi tão grande que na queda meu capacete chegou a rachar, porém estava com tanta raiva que reagi, mas os bandidos falaram que iriam atirar. Além da bicicleta, eles roubaram meu celular, mesmo sendo um smartphone antigo que uso apenas para ligação”.
Mondin foi parar no hospital e precisou tomar antibióticos, em razão da sua costela ter sido atingida.
Ponto Perigoso
A Rodovia Cônego Domênico Rangoni é um dos locais mais perigosos não só para quem anda de bicicleta, mas também como toda a população em geral.
De acordo com os ciclistas, a ação dos bandidos geralmente acontece na altura de uma das comunidades de Guarujá, próxima à pista.
Vale destacar que a sede da Prefeitura do Município fica a poucos metros do local, porém isso não intimida os bandidos e não é de hoje que a área é insegura.
Em 2015, uma repórter da TV Tribuna (afiliada da Globo) foi assaltada, enquanto estava fazendo uma entrevista ao vivo.
Questionada sobre os constantes roubos aos ciclistas, a Prefeitura de Guarujá emitiu a seguinte nota “A segurança do trecho na Rodovia Conêgo Domenico Rangoni, compete à Polícia Militar Rodoviária. Todavia, a Guarda Civil Municipal tem efetuado rondas preventivas com suas equipes de área, inclusive com a equipe especializada- Rondas Ostensivas Municipais (ROMU) para coibir tais práticas”.

Conêgo Domênico Rangoni é um dos locais mais comuns para a ação dos bandidos/ Foto: Divulgação
Polícia Militar
A equipe de Reportagem entrou em contato com a Polícia Militar, porém não houve resposta até o fechamento da matéria.
Orientação
De acordo com o presidente da Liga Santista de Ciclismo, José Reinato, a situação está difícil para os ciclistas. Ele afirma que a orientação é para as pessoas se reunirem em grupos numerosos para realizar a atividade nas estradas da região.
José Reinato ressaltou que tem conversado com a Polícia Militar para garantir maior segurança aos ciclistas, contudo ele explicou que é impossível o efetivo atender todos os locais.
Além disso, o presidente da Liga pede ajuda para a população. “Se uma pessoa que estiver no carro e se deparar com um assalto contra ciclistas, seria fundamental ela ligar para a Polícia Militar, pois dessa maneira haverá mais possibilidades dos agentes de segurança encontrarem os suspeitos”.
Por fim, José Reinato enfatizou que existe um grande número de famílias e crianças que realizam a atividade pelas cidades da região e isso traz uma preocupação ainda maior em relação à segurança.
Outros Riscos
Não é apenas a falta de segurança. Os ciclistas também precisam lidar com uma série de obstáculos para realizar o treinamento na região. O medo de atropelamentos e os riscos nas estradas são comuns.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Ciclistas Patins, Skates e Cadeirantes, Jessé Rodrigues algumas cidades da região precisam ter mais ciclovias.
Inclusive no próximo dia 28 de maio, haverá uma mobilização pela conclusão das obras da ciclovia da Avenida Antônio Emmerick, em São Vicente. A manifestação está marcada para acontecer em frente à Prefeitura Municipal de São Vicente.
Em relação aos assaltos, Jessé explica que os roubos não acontecem apenas para quem tem um equipamento profissional
“Como a bicicleta não tem registro, o veículo vira um alvo ainda mais fácil dos bandidos em todas as cidades. Além disso, muitas pessoas não fazem o boletim de ocorrência, o que dificulta o mapeamento da Polícia Militar para evitar a ação dos criminosos”, ressaltou.
Ele ainda enfatiza que as bicicletas estão mais caras, diante do aumento do ICMS.
Pandemia
Com a pandemia da Covid-19, muitas pessoas que não estavam acostumadas a praticar esportes compraram bicicletas, haja visto a necessidade de fazer alguma atividade física para conciliar a saúde e o isolamento social de maneira equilibrada e saudável.
Além disso, uma parcela de praticantes de modalidades coletivas, como futebol, vôlei e basquete, trocaram os esportes pelo ciclismo.
O aumento de ciclistas nas cidades é perceptível. Basta acordar cedo e percorrer a orla de Santos, São Vicente, Praia Grande e Guarujá para ver os grupos fazendo seu percurso matinal.
Vale destacar que muitos trabalhadores passaram a usar mais bicicletas por conta do receio do transporte público lotado e as aglomerações em pontos de ônibus, diante da falta de veículos.
Outro detalhe interessante é que os trabalhadores autônomos passaram a fazer entrega de bicicleta via aplicativos.

Treinamento em grupo virou uma ótima opção para a saúde/ Foto: Divulgação