
Números na Baixada Santista revelam a precariedade a qual vivem pouco mais de 72 mil crianças na Baixada Santista. Arte: Bruno Yego
Em uma cidade que se orgulha em ocupar os primeiros lugares na lista dos melhores municípios do Brasil para se viver, de acordo com recentes levantamentos, há muito para avançar no que se refere a diminuição da desigualdade social e – principalmente – habitacional em Santos. Do lado oposto ao belo jardim das praias estão comunidades, onde milhares de famílias vivem em condições precárias.
A desigualdade se torna ainda cruel ao ver o número de crianças que vivem desta maneira, seja em comunidades, palafitas ou mesmo em cortiços. Na cidade, para se ter ideia, 26% das crianças de 0 a 5 anos, ou seja, 7,6 mil vivem em áreas de vulnerabilidade social. Número é ainda mais alarmante em âmbito regional. De acordo com dados de 2010 do Índice Paulista da Primeira Infância, existem 72.558 crianças vivendo em situações precárias nos nove municípios da Baixada Santista.
Com estes números, a região ocupa a quinta colocação (de um total de 16) entre as piores regiões paulistas na relação entre crianças que vivem em vulnerabilidade social.
Publicado há três anos, o Índice de Bem-Estar Urbano (Ibeu) na Baixada Santista, desenvolvido pelo Observatório das Metrópoles, mostra exatamente esta desigualdade. “Mesmo em Santos, município de maior crescimento econômico na última década (…) pode-se verificar marcas dos piores índices, pois também nessa mesma área há aglomerados subnormais, ocupações em manguezais, áreas de ocupadas em morros, cortiços (…). Dessa forma, o espaço metropolitano central consegue reunir tanto o melhor índice Ibeu, quanto as maiores favelas da região metropolitana. Na RMBS, o crescimento econômico, infelizmente, andou de mãos dadas com a desigualdade social”, é a conclusão do estudo realizado pela socióloga e professora da Unifesp Marinez Brandão, que junto com Maria Graciela Morell, é coordenadora e pesquisadora do Núcleo Baixada Santista do Observatório das Metrópoles.
Além da questão habitacional, Marinez ainda destaca que os índices educacionais na Cidade também merecem atenção em relação ao abandono e atraso no Ensino Médio, que apresentou elevação. “Não é possível saber as razões, pois não fomos a campo, mas é uma realidade entre os jovens na Cidade”, explica.
Para a socióloga, a Baixada deveria se preocupar mais com a questão da metropolização discutindo efetivamente as questões sociais. “Por lei existe a região metropolitana, mas de fato ainda é complicado e tem muito a avançar. Deveria existir maior participação popular para termos uma política que possa melhorar as condições de vida. Enquanto não começar, a realidade não será modificada”.
Agem
Para o diretor da Agem, Hélio Vieira, que já foi presidente da Cohab/BS, o mais crítico na questão da desigualdade social são as condições de habitabilidade. “Temos extremos fortes na nossa região”, reconhece.
Para Hélio, o fato é que os investimentos em habitação são mais altos na região e que deveriam ser mantidos numa visão metropolitana. “No momento político, os recursos estão escassos. Todas as cidades da região apresentam uma série de projetos em andamento que, infelizmente, estão parados. Individualmente, nenhum dos municípios tem como atender sua demanda habitacional”, ressalta.
De acordo com Hélio, a Agem – por meio da Câmara Temática de Habitação – está conseguindo evoluir na questão de comunicação.”Estamos desenvolvendo desde o ano passado uma rede única de informação das cidades para que possa se pensar em soluções metropolitanas”, explica.
Projetos habitacionais
A Cohab Santista informa que para atender famílias que vivem em situação de risco socioambiental trabalha na construção e fiscalização de novas unidades habitacionais, sendo que 480 unidades do Conjunto Caneleira IV foram entregues à população.
Estão em obras os conjuntos: Caneleira IV (200 unidades), Tancredo Neves III (1120 unidades), Santos R- Morro da Nova Cintra (326 unidades), Santos O – São Manoel (205 unidades) e o Santos T – Vila Santa Casa (133 unidades), totalizando 2464 unidades.
Descaso
Em visita à líder comunitária Maria Cristina de Jesus, que mora na Avenida Marginal Anchieta,na Alemoa, bem próximo à escultura do Peixe que dá boas vindas para quem chega pela Imigrantes/Anchieta, a equipe do Boqnews conversou com famílias que vivem em diferentes condições, de casas mais elaboradas de alvenaria às palafitas. A visita foi realizada em uma quarta, dia da semana quando Maria Cristina distribui pão aos moradores mais carentes. A fila de pessoas é grande e ainda maior aos domingos, quando são distribuídos outros alimentos.
Uma das pessoas que esperavam pelo pão era Marise Aparecida da Silva Brito, de 30 anos, que nasceu no bairro e mora atualmente na Rua Cacique. Um exemplo de quem cresceu ali e hoje acompanha o crescimento da filha de cinco anos. “O sonho de ir embora sempre existiu desde criança”, disse Marise, que mora no fundo em uma casa de madeira com o marido. A filha mora no mesmo bairro só que com a avó. “Eu a acompanho todos os dias. Levo-a para escola, para tomar vacina… Mas em casa, a situação é ruim para uma criança viver”, conta.
Morador há 28 anos no bairro, Getúlio dos Santos, o Bigu, eletricista de 64 anos – que ajuda como voluntário nas ações da líder comunitária Cristina – a carência do bairro é grande para as crianças. “Não posso reclamar da minha casa, pois perto de outras, eu sou rico”, diz fazendo questão de destacar a pracinha, cheia de mato e brinquedos quebrados.
“Quando é tempo de eleição vem várias pessoas cortar o mato, tirar a sujeira dali e depois somem todos. É o único lugar que as crianças têm para brincar”, diz. No dia da ida da reportagem ao local, era possível ver o acúmulo de lixo, grama alta e nenhum brinquedo com condições de uso. Alertada pelo Boqnews, a prefeitura de Santos enviou equipe de limpeza ao local e, por nota, disse que novos brinquedos serão instalados no mês de maio.