Na próxima segunda (10), comemora-se o Dia de Portugal. A data presta homenagem ao país, os portugueses e a cultura ao redor do mundo. Contudo, um fato curioso importante é que a cultura de Portugal se junta com a de Santos e as histórias se cruzam.
Segundo o historiador Sergio Williams, é impossível falar do desenvolvimento de Santos sem mencionar a influência lusitana. Ele aborda que as raízes iniciais têm fundamentos portugueses, embora não se deva esquecer dos povos originários, os indígenas, e também dos povos africanos, que chegaram em Santos como escravizados. Por pelo menos quatro séculos, a cultura e a civilização em Santos estiveram profundamente ligadas a Portugal.
Essa realidade mudou no século XIX, quando outras nações, como Espanha, Itália e Alemanha, começaram a desembarcar na cidade, criando um cenário multicultural. No século XX, novos grupos, como japoneses e sírios, aumentaram essa diversidade, atraídos pelo porto e pelas oportunidades de trabalho.
De acordo com o historiador Dionísio de Almeida, da Fundação Arquivo e Memória de Santos, sobre os principais eventos históricos que marcaram a chegada dos portugueses foi a transferência do que seria o Porto na região da Ponta da Praia para o Centro de Santos. Além da construção da Capela de Santa Catarina no Outeiro de Santa Catarina, a criação e construção da primeira Santa Casa de Misericórdia das Américas e a elevação do povoado à categoria de vila em 1546. Desde esses primeiros tempos, o Porto de Santos era um dos principais fatores do desenvolvimento.
Arquitetura
Sobre a maneira em que a colonização portuguesa moldou a arquitetura e a urbanização de Santos, Williams menciona que a arquitetura predominante em Santos era de estilo português, com exceção da Fortaleza da Barra Grande, que tinha características da arquitetura italiana (Giovanni Antonelli). “Santos é considerada a cidade mais portuguesa fora de Portugal. Temos pactos de irmandade com Porto, Funchal, Coimbra, Ansião, Arouca e Lousã. O Centro Cultural Português é uma joia rara da cidade, com sua arquitetura neomanuelina e o belíssimo salão Camoniano”.

Centro Cultural Português fica localizado na Rua Amador Bueno, 188 no Centro de Santos. Foto: Nando Santos
Almeida acrescenta que a arquitetura colonial de Portugal se fez presente em Santos nos seus primeiros tempos e que algumas referências deste período estão presentes ainda hoje. Elas podem ser vistas no Centro Histórico de Santos, em diversas edificações neocoloniais e neoclássicas, que demonstram a presença dos portugueses na Cidade. Um exemplo é a Casa da Frontaria Azulejada.

Casa da Frontaria Azulejada fica localizada na Rua do Comércio, 92 no Centro Histórico de Santos. Foto: Nando Santos
Nos primeiros tempos, a urbanização da Vila de Santos é toda influenciada por modelos urbanísticos trazidos de Portugal, como por exemplo: a formação de vilas e povoados em lugares mais protegidos, o traçado das ruas, praças e a forma de construir as edificações. Já a partir da segunda metade do século XIX, a urbanização da Cidade começa a ter a influência do modelo praticado na França.
Fundação
Se existe um registro histórico dos primeiros imigrantes portugueses, Almeida afirma que há desde o início da colonização do Brasil em 1532 e no início do povoamento de Santos com Braz Cubas, o fundador da Vila de Santos, e vários de seus familiares: Luiz de Góis, Catarina de Aguillar, Domingos Pires, Pascoal Fernandes, todos eram portugueses e participaram da fundação do povoado e da Vila de Santos.
“A partir de então nunca deixaram de vir para o Brasil e para Santos. A colônia portuguesa foi e talvez seja a maior em Santos em relação aos outros povos. Além dos portugueses que iniciaram o povoamento de Santos, um dos mais influentes foi Joaquim Manoel Ferreira Neto, que construiu a Casa de Frontaria Azulejada, em 1865, dono de comércio e proprietário de navio”.
Economia
De acordo com Williams, a economia de Santos girava em torno da exploração da terra, com a cana-de-açúcar predominando no período colonial. “A partir do século 18, a produção se diversificou, incluindo tabaco e café. Esses meios produtivos eram todos dominados por portugueses, que mantinham o controle econômico da região”.
Almeida aborda que com o passar do tempo, Porto foi se desenvolvendo até que, a partir da segunda metade do século XIX, ele se tornou essencial para a exportação do café produzido nas fazendas de São Paulo. E, posteriormente, com o amplo crescimento a partir do final do século XIX, chegar à condição de maior porto da América Latina. Outra influência marcante da presença dos portugueses em Santos desde o início do processo de colonização é no comércio, dos antigos bazares e armazéns até as atuais padarias.
Festa de Portugal
O Centro Histórico de Santos recebe, neste fim de semana, o maior e mais tradicional evento da comunidade lusitana na região. Com muita música, danças folclóricas, comidas típicas e artesanatos, a Festa de Portugal agitará a região do Valongo, no sábado e domingo (8 e 9).

Escola Portuguesa fica localizada na Rua Sete de Setembro, 79, Vila Nova em Santos. Foto: Nando Santos
A Festa de Portugal tem caráter beneficente e visa arrecadar fundos para a Escola de Portuguesa, que atende, em período integral, 120 crianças de famílias carentes, com idades entre três e seis anos, residentes nas áreas do Paquetá, Vila Nova, Mercado, Centro e Monte Serrat. Parte da renda das vendas das comidas e artesanatos da festa será revertida para a instituição.
Além de educação pré-escolar gratuita, os alunos recebem alimentação, uniformes de verão e inverno, material escolar, aulas de informática educativa e recreação.
Influência portuguesa
Quem aborda essa festa e a importância da cultura de Portugal é o José Augusto Rosário, organizador do evento. “Numa cidade criada, fundada e desenvolvida por portugueses, você percebe influência portuguesa em todos lados, maneira de falar, culinária, comportamento. Temos uma cidade que conta com mais de 50 mil cidadãos portugueses, não de origem, alguns que vieram, mas na sua grande maioria, descendentes que adquiriram sua nacionalidade portuguesa por lei”.
Sobre como está a procura das pessoas indo para Portugal, ele reconhece que a demanda por nacionalidade e passaporte português é intensa, pois muitos brasileiros enxergam Portugal como porta de entrada para Europa, para estarem e viver em Portugal, trabalhar, estudar e desenvolver uma outra cultura.
Em relação aos desafios que a cultura portuguesa enfrenta na atualidade é sua manutenção. “Temos fortes entidades que ainda cultivam as culturas da sua raiz, por meiodos eventos que promovem festas tradicionais portuguesas, ranchos folclóricos, de maneira que há um trabalho ainda sendo feito das entidades na manutenção das tradições e cultura portuguesa nomeadamente Centro Cultural Português, Casa da Madeira e entre outras que fazem trabalho e inclusive agregando jovens e crianças a seus eventos e entidades para que a cultura portuguesa seja mantida e transmitida”.
Carregando o ‘S’
Santos tem a maneira distinta de falar. O carregamento no S e diferente dos outros locais do país, por ter essa influência portuguesa, percebe-se o vocabulário, o uso do ti e do tu, uma influência portuguesa na maneira de falar dos santistas. “Uma das principais influências portuguesas na nossa região é a culinária, não há casa onde não se aprecie bom bacalhau, bolhinho de bacalhau, bifanas, os doces portugueses”.
Além disso, o empresário André Vieira, conhecido como Portuga, disse que o desafio da empresa de produção visual Fixe na Festa de Portugal é entregar os vídeos e fotos em tempo real, sem perder de vista a emoção e os detalhes. A cultura portuguesa tem grande importância na vida dele, afinal é filho de uma mãe madeirense e não é à toa que desde pequeno recebe o apelido de Portuga. “Quando criei a produtora audiovisual, fiz questão de imprimir no nome da produtora a uma palavra portuguesa. Fixe é uma gíria portuguesa equivalente ao nosso legal. Portanto, quando algo é fixe, é positivo. Agora, com muito orgulho, conseguimos conectar a produtora ainda mais com a Festa. A Fixe é o patrocinador master da Festa de Portugal neste ano”.
Troca de culturas
Uma história interessante é de quem está do outro lado do mundo, ou melhor, em Portugal. Caso da jornalista e mestre pela USP em Ciências da Comunicação, Daniella Aragão. Sobre a mudança para Portugal, ela acredita que sua família gosta destes desafios. “Quando o nosso filho mais velho, com 17 anos, resolveu fazer faculdade em Portugal, apoiamos. No ano seguinte, meu marido requisitou o visto para aposentado e decidimos passar um ano em Portugal. Os menores (com 14 e 12 anos) entraram na escola aqui e fomos ficando. Hoje já estamos há cinco anos e meio”.
Ela conta que a comida move o país. Os portugueses dão muito valor e na opinião dela é muito boa. Na questão das diferenças entre Santos e Portugal, uma delas é a simplicidade. “Não há ostentação. Você pode andar como quiser que ninguém vai ficar te julgando. Nas reuniões de escola dos meus filhos, eu via senhoras elegantes e senhores que vinham com a roupa de trabalho da construção civil sentados lado a lado. Aliás, é comum ver o presidente da República indo ao posto de gasolina colocar combustível no próprio carro ou indo num restaurante pegar um “marmitex”.
Oportunidades
De acordo com a arqueóloga e historiadora Cristiane Amarante, que viveu em Portugal por 5 anos, ela foi para o país por conta de uma oportunidade de trabalho, ao se inscrever em um processo seletivo para uma vaga em uma empresa de arqueologia portuguesa.
Sobre o que mais aprecia na cultura portuguesa, ela também se rende à comida. “Amo a culinária brasileira, temos uma diversidade muito grande, mas nem tem como fazer essa comparação de melhor entre Brasil e Portugal. A nossa é incrível, mas Portugal, por ser pequeno, mas as regionalidades nas comidas deles também são interessante. No próprio Aveiro, existem doces de ovos moles e bolos de ovos moles”.
Retribuição
Sobre a representação de Portugal em Santos, ela afirma nada mais justo que celebrar essa descendência. “Portugal está presente na nossa arquitetura, é uma forma de gratidão, essa coisa cultural que vem para os traços da nossa cidade que vemos tanto principalmente nas ruas do Centro, bairros como Pompeia, Vila Mathias, Paquetá. Há uma herança, eles souberam nos traduzir bem desde o começo e isso é benéfico para Santos ser o que é no presente e nada mais justo do que agradecer”.
Além disso, confira a participação do organizador da Festa de Portugal, José Augusto do Rosário no programa Jornal Enfoque desta sexta (7).
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