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13 DE FEVEREIRO DE 2009

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Tradição perigosa

Rituais de iniciação ocorrem em praticamente todas as culturas. Tratam-se daqueles eventos em que a pessoa é apresentada, de fato, à determinada comunidade ou grupo. Historicamente, podem ser caracterizados como rituais desse tipo desde as cerimônias indígenas que marcam a chegada do menino à fase adulta, ou mesmo as festas de 15 anos, que representam […]

Por: Da Redação

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Rituais de iniciação ocorrem em praticamente todas as culturas. Tratam-se daqueles eventos em que a pessoa é apresentada, de fato, à determinada comunidade ou grupo. Historicamente, podem ser caracterizados como rituais desse tipo desde as cerimônias indígenas que marcam a chegada do menino à fase adulta, ou mesmo as festas de 15 anos, que representam a entrada da garota pré-adolescente na sociedade. Os famosos trotes universitários, por sua vez, não fogem a essa regra. Afinal, simbolizam a entrada do estudante no nível superior, na maioridade (já que muitos ingressam já partindo para os 18 anos de idade), e em uma nova fase da vida.

Com o passar dos anos, os exageros no tratamento com os calouros e as bebedeiras excessivas que acabavam ocorrendo na festa, em muitos casos, à custa da humilhação dos novos estudantes, fizeram com que o trote universitário fosse cada vez mais visto de maneira negativa. A imagem de um garoto ter o cabelo cortado, com o rosto pintado com as iniciais do curso, que no passado era reflexo de um momento vitorioso, obtido após muito estudo e força de vontade, perdia o sentido.

Na última semana, casos de trotes exagerados voltaram a ser notícia, como o do rapaz que quase entrou em coma alcóolico após ser agredido e obrigado a ingerir muitas bebidas alcoólicas pelos veteranos de uma faculdade de Medicina Veterinária em Leme (SP), ou, ainda, como o das calouras que foram queimadas em trotes em Santa Fé do Sul (SP), sendo que uma delas estava grávida. Em Santos, foi registrado o caso de um garoto que também teve problemas com coma alcoólico, no começo do mês. Embora, de acordo com o comandante da Guarda Municipal (GM) de Santos, Cláudio Marques Trovão, essa tenha sido a única ocorrência mais grave denunciada ao serviço de segurança.

“Isso no passado era mais humano, era mesmo um marco. Hoje, na maioria das vezes, o pessoal só participa para tomar cerveja sem parar”, comenta a aposentada Sueli Amorim, após não dar uma moeda aos calouros que a abordaram na rua em busca de trocados. “A gente até pergunta se não tinha uma outra maneira de eles serem iniciados. Disseram-me que já tinha feito doação de sangue. É legal isso, mas será que não poderia parar por aí?”, indaga.

No final do ano passado, foi anunciado que um veículo com câmeras de monitoramento para identificar possíveis exageros seria acionado durante o período de trotes, mas, de acordo com o comandante da GM, sua utilização não foi necessária nesse primeiro momento. “Notou-se que, no começo das duas últimas semanas, houve uma maior aglomeração de jovens nos cruzamentos para o famoso pedágio, mas os veteranos se mostraram, ao menos aparentemente, dispostos a colaborar para evitar problemas. Pelo menos, por aqui, até o momento, não se precisou utilizar o serviço das câmeras”, explica.

Problemas
Curiosamente, apesar de muito criticados por pais e mesmo por parte da sociedade nos dias de hoje, o trote nos moldes atuais, no entanto, é um momento muito esperado, não apenas pelos veteranos, prontos para, muitas vezes, passar dos limites nas ações, como mesmo por calouros, que, com a internet e, mais precisamente, ferramentas como os sites de relacionamento (Orkut, Facebook, etc), chegam a marcar onde serão os “eventos”, movidos, em grande parte pelo “prêmio” do final da festa: a ida ao bar para beber. E ao término, todos comemoram.

Nos primeiros dias de aula, ao sair da universidade, os alunos são “conduzidos” para as ruas pelos veteranos, pintados e, em alguns casos, tem os cabelos cortados. Para muitos, ainda se trata de uma situação normal. O que muda de figura quando os novatos são colocados em situações, para os mais tímidos, desconcertantes, como pedir dinheiro no sinal e, muitas vezes, para chamar a atenção, dançar em frente aos carros. Há casos, ainda, em que se envolvem as calouras na “brincadeira” para que dancem ritmos considerados mais “extravagantes” – às vezes, por conta própria.

Há situações como as registradas nos últimos anos nos cursos de Medicina, conhecidos por possuírem os trotes mais ofensivos. Em fevereiro do ano passado, no Canal 6, por exemplo, moradores afirmaram ter visto calouros do curso serem humilhados e agredidos, caso não fizessem o que lhes foi ordenado pelos veteranos, para Trovão, já vinham para a atividade movidos à álcool. As denúncias foram divulgadas na imprensa e os estudantes acusados, em alguns casos, expulsos.

Saídas
A manutenção da histórica cultura do trote, mas com alterações em sua realização, para que se modifique a imagem dos mesmos, tornando-a mais aprazível aos olhos da sociedade, fez ganhar notoriedade o chamado trote solidário. Trata-se de atividades coordenadas pelos alunos veteranos e com apoio da unidade de ensino que visem algum benefício para a sociedade, como a doação de mantimentos para instituições de caridade.

Embora tenha um viés positivo e tenha seguidores, ainda não é uma constante, não possuindo a mesma divulgação, empolgação e demonstração de interesse nos alunos que o trote usual. No entanto, a proposta, que, além de social, ajuda a beneficiar a imagem das instituições “afetadas” pelo comportamento às vezes exagerado de seus veteranos, tem estado em ascensão, sendo uma realidade em praticamente todas as instituições educativas de Santos, por exemplo.

Segundo o diretor de Marketing da Universidade Santa Cecília (Unisanta), Marcus Teixeira Penteado, os representantes dos Diretórios Acadêmicos (D.A.) das universidades têm tomado mais partido e incentivado os companheiros a participar. “Afinal, isso é que, de fato, pode integrar calouros e veteranos em um ambiente universitário”, conclui.

Tal como na Unisanta, a Universidade Católica de Santos (Unisantos) não permite que o trote seja executado dentro do campus, alertando os veteranos através de avisos espalhados nas dependências do local. De acordo com o assessor de comunicação da Unisantos, Robnaldo Salgado, alguns cursos ainda chegam a realizar algumas gincanas ou incentivar a doação de sangue. “Quanto a isso, o que sempre se busca nas instituições de ensino hoje é, de alguma maneira, manter a tradição do trote, mas evitando-se problemas posteriores e se incentivando um olhar mais social do aluno”, finaliza.

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