Até 10 meses de espera.
Este é o prazo que uma vítima de violência sexual aguarda para ser atendida pelo Programa de Atenção Integral às Vítimas de Violência Sexual – Paivas, em Santos, no litoral paulista.
O caso mais antigo é de uma vítima que aguarda o atendimento psicológico e de assistente social desde junho do ano passado.
Criado em 2003, o serviço carece de profissionais, como assistentes sociais, médicos e psicólogos, para atendimento às vítimas de violência, inclusive crianças e adolescentes.
Trata-se do maior público atingido, que responde por 72% das vítimas em Santos.
A lista de espera só cresce.
Não bastasse a ausência de profissionais, há falta de espaço físico apropriado para atendimento às vítimas, especialmente entre pessoas residentes em áreas periféricas, dependentes de políticas públicas.
No ano passado, uma adolescente cometeu suicídio em razão da gravidade da situação pessoal.
Não bastasse, a pandemia contribuiu para o aumento de casos intrafamiliares, onde o abusador está no mesmo espaço da vítima.
Durante a pandemia, o percentual de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual cresceu na comparação com os demais anos (veja quadro abaixo).
Casos em crescimento
Até dezembro passado, havia uma demanda reprimida de 35 casos sem atendimento, conforme registros coletados pelo serviço.
Aliás, especialmente entre vítimas moradores de áreas periféricas – quem tem condições busca atendimento na rede privada.
Até a realização de audiência pública no início deste mês, promovida pela vereadora Débora Camilo (PSOL), os números cresceram para 41 na lista de espera.
Soma-se ainda outras 14, que passaram por triagens e recebem atendimento do serviço – ou seja, 1 em cada 4 vítimas apenas são atendidas.
Por falta de profissionais, o Paivas está sem atendimento a novas vítimas.
Havia promessa de dois profissionais (assistente social e psicóloga) entrarem para a equipe ainda este mês, após aprovação em concurso e publicação no Diário Oficial.
Ao todo, o serviço tinha registrado até o dia da audiência pública, em 8 de abril, 52 pacientes, sendo 41 crianças e adolescentes e 11 adultos.
O problema se arrasta há anos, conforme atestam as profissionais participantes da Audiência Pública.
Um documento enviado pela Comissão Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil de Santos (CEVISS) ao Ministério Público expôs a grave situação.
Assim, o MP deu um prazo de três meses para a prefeitura responder, encerrado em janeiro último.
Após o período, o CEVISS enviou o ofício no início de fevereiro ao MP solicitando agilidade das ações por parte do Poder Público.
Dessa forma, nesta quinta (25), um novo encontro está marcado.
Aliás, vale lembrar que 18 de maio é o Dia Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes – Maio Laranja.
Maio Laranja
Assim, a expectativa é que a situação finde até o final do semestre – com a contratação de novos profissionais e um espaço apropriado e exclusivo.
Pelo próprio fluxo da Prefeitura de Santos, contido no site da prefeitura, há o organograma de atendimento às vítimas em até 72 horas, via Secretaria de Saúde de Santos.
E seguir para atendimento multiprofissional durante o prazo de, pelo menos, 6 meses.
Confira a audiência pública
Ofício
O ofício da Comissão Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil de Santos datado de 6 de fevereiro e enviado à promotora Nelissa Olivette de França Neri de Almeida, de Justiça da Infância e Juventude de Santos, relata a atual e grave situação.
Falta de recursos humanos e adequação de espaço físico onde funciona o programa estão entre os principais problemas relatados.
“É inadmissível que haja uma lista de espera para que seja garantido o direito fundamental à saúde, liberdade, respeito e dignidade. Com efeito, há violação da Resolução Normativa CMDCA 333/2020, artigos 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente”, atesta o documento assinado pela Coordenadora da CEVISS, Christiane Cordeiro Andrea.
Sem contar os artigos 3º e 4º da Convenção sobre os Direitos da Criança e Constituição Federal (artigos 37 e 227).
O documento alerta também que o cenário não é positivo para os próximos meses.
“Considerando que até o fim dos trâmites do concurso público (ora em homologação), decorrerá prazo muito superior a 90 dias, alcançando, quiçá, o meio do ano para efetivação de prestação do referido serviço especializado, tem o presente a finalidade de solicitar a intervenção de vossa senhoria junto ao Governo Municipal, a fim de que seja deflagrado imediato processo de contratação de pessoal/serviço especializado, dado a urgência, gravidade e sofrimento da violência sexual”, finalizou a coordenadora.
Durante a audiência, não faltaram críticas à atuação da Secretaria de Saúde de Santos.
Ações procrastinadas
Palavras como procrastinação e ausência de rede para atendimento a crianças e adolescentes foram as mais usadas durante a audiência pública pelas participantes, ligadas à OAB-Santos, Conselhos Tutelares e Comissão de Enfrentamento da Violência Sexual, entre outros representantes de grupos ligados ao assunto.
Nenhum representante das secretarias de Assistência Social nem da Mulher, Direitos Humanos e Cidadania participaram da Audiência Pública.
Nem do Ministério Público.
Toda esta situação foi levantada pela vereadora durante participação no Jornal Enfoque no último dia 15.
“A política pública em Santos não trabalha em rede”, lamentou.
Números atestam gravidade
Conforme dados da Secretaria de Saúde de Santos, entre 2018 e 2022 (dados mais atualizados), Santos registrou 594 casos de vítimas de violência sexual, sendo 527 de moradores da Cidade (89%).
Uma média de um caso registrado em órgãos oficiais a cada três dias.
Sem contar aqueles que nem chegam aos encaminhamentos legais.
Portanto, parcela das vítimas residentes em outros municípios acabam procurando atendimento na Cidade.
Ao todo, 72% eram crianças e jovens de até 19 anos (380).
Entre os moradores de Santos, 67 homens e 460 mulheres.
Total de casos registrados com vítimas residentes em Santos (2018 – 2022)
Ano Total de casos 0 a 19 anos (em%)
2018 121 88 73
2019 146 95 65
2020 68 56 82,5
2021 97 73 75,2
2022 95 68 71,5
Fonte: Secretaria de Saúde de Santos
Outro lado
Dessa forma, a Prefeitura encaminhou a seguinte resposta, sem maiores detalhes.
‘A Secretaria de Saúde de Santos informa que já iniciou o processo de chamamento de dois psicólogos e um assistente social aprovados em concurso para ampliar a capacidade de atendimento do PAIVAS.
Atualmente, o serviço é prestado no Instituto da Mulher e Gestante, porém outros locais estão sendo visitados com vistas à transferência e ampliação do PAIVAS’.
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