Assisti, esta semana, ao
filme Laje dos Sonhos, dirigido por Raquel Pellegrini. O documentário foi
exibido em duas sessões, no 10º Curta Santos Festival de Cinema de Santos.
O filme conta, pela perspectiva de seus visitantes e
protetores, a história da Laje de Santos, primeiro parque estadual marinho de
São Paulo. O documentário é fruto de uma parceria com a ONG Instituto Laje
Viva, que há uma década luta pela preservação do lugar.
Laje dos Sonhos é o maior e melhor filme de Raquel
Pellegrini, uma das pioneiras da TV regional, no início da década de 90, e hoje
respeitada profissional do mundo audiovisual, inclusive na formação de novos apaixonados
pelo ofício no cenário universitário.
O filme reflete a maturidade de duas décadas da cineasta,
mas principalmente a vertente de documentarista. Raquel dirigiu três documentários
incluindo o da laje nos últimos cinco anos. Isso deu a ela
involuntariamente um papel de memorialista da cultura litorânea via cinema.
Raquel contou, por exemplo, em Cesário Bastos, a história
de um dos mais tradicionais colégios de Santos, hoje sede da Diretoria Regional
de Ensino. Retratou também em Tamboréu: um esporte genuinamente santista, a
trajetória dos praticantes a partir da chegada de imigrantes italianos em
meados do século passado.
Laje dos Sonhos é a reconstrução pelas palavras de uma
visita ao paraíso a 40 quilômetros da orla. Como uma pedra, no formato de baleia
cachalote, hipnotiza homens e mulheres há quase 60 anos? E os torna escravos de
um amor incondicional a ponto de formar uma legião de protetores?
O filme funciona como alívio visual e, mais do que isso,
como contraste de uma cidade que, infelizmente, se vestiu de cinza, pela
megalomania de alcançar o éden pela via vertical, acima de 30 andares.
A laje age como a prova viva de que a natureza nos
aconselha, com a poesia subaquática, de que esta rota caiçara está equivocada.
Seus mensageiros são as quase 200 espécies de peixes, mais golfinhos,
tartarugas e raias mantas que, silenciosamente, esperaram pelas lentes de
cinema para dar o recado. Bastava que uma memorialista traduzisse a essência
dos sentimentos de gente que se ajoelhou diante da pedra mágica há décadas.
Entre os 20 depoimentos escolhidos, o filme tem três
pontos altos. O primeiro é o choro urgente da jornalista Vera Leon, ao se lembrar
da reportagem que produziu sobre a laje na década de 80, como uma cicatriz
inerente à memória.
Comovente também é o mergulho do publicitário Alexei
Schenin, que voltou à laje depois de mais de dez anos. Um acidente de moto o
deixou praticamente sem os movimentos das pernas. As expressões faciais de
Alexei retratam a ressurreição do menino que voou embaixo d`água, numa
experiência singular, impossível de descrever aqui.
O terceiro personagem é o mergulhador que, após o
descanso pós-pioneirismo, retornou ao santuário, em uma viagem antes submersa
por 12 anos. O homem que simulou um naufrágio por compreender que uma ajudinha
humana poderia melhorar a aparência daquela casa, abrigando peixes e corais.
Laje dos Sonhos nos esfrega nos
rosto, com imagens vivas, o risco que corremos diante das tentações (e das
promessas) milagrosas de um progresso com gosto de óleo negro.
palavras da própria Raquel Pellegrini, o filme é um mergulho, inclusive para
quem nunca mergulhou.
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