Ao abrir o jornal, encontrei uma notícia que anunciava pressa: o governo pretende criar um novo tipo de licenciamento para acelerar obras na Amazônia.
Fechei os olhos por um instante. A palavra “acelerar” ficou zumbindo, como motor em marcha alta.
“Amazônia” veio logo depois, mas em outra cadência: passo de rio, paciência de árvore, conversa de vento com copa.
Segundo foi noticiado, a proposta busca simplificar caminhos administrativos, dar fluidez a projetos logísticos e energéticos, manter o país competitivo.
Em tese, nada mais legítimo que desejar eficiência.
Também é legítimo desejar que a floresta respire. Esta crônica não pretende arbitrar quem vence, apenas escutar o que se perde quando o diálogo vira corrida.
Penso no licenciamento como uma ponte de palavras. Se a travessia for apressada demais, a conversa cai no leito.
Procedimentos existem para verificar riscos, ouvir comunidades, checar dados. Eficiência sem escuta vira atalho.
E atalho, quando repetido, muda o mapa. O traço que liga mercados pode virar linha que separa vidas. O papel aceita a pressa; o território, não necessariamente.
Há quem celebre: as obras avançarão, o custo cairá, a economia ganhará fôlego. Pode ser.
Também pode ser que o fôlego cobrado adiante seja o das nascentes, o da pesca, o das casas que aprendem, de repente, a conviver com o barulho dos caminhões.
Não proponho paralisia. Proponho bússola. Progresso não é acelerar por acelerar, é chegar junto, inteiro, com as florestas e com as pessoas.
Talvez nos falte outra gramática para discutir desenvolvimento. E se “obra estratégica” incluísse também cicatrizes evitadas, carbono poupado, saberes locais reconhecidos, contratos com metas de restauração e monitoramento público no mesmo parágrafo do cronograma?
E se a licença fosse compromisso vivo, acompanhado por dados abertos, revisões periódicas, correções de rota pactuadas? A pressa teria lugar, mas não teria a última palavra.
Não escrevo contra estradas, hidrovias ou ferrovias. Escrevo a favor do tempo certo das coisas.
A Amazônia ensina que acelerar o tronco é forçar o anel de crescimento. Ele até dilata, mas racha. E rachadura em árvore demora a cicatrizar. Em território, às vezes nem cicatriza.
Fecho o jornal e penso no verbo licenciar. Dar licença. Dar licença para ouvir. Dar licença para que a ciência fale sem microfone trêmulo. Dar licença para que a política promova encontro, não apenas despacho.
O país precisa de obras que encurtem distâncias e alonguem futuros.
Se for para acelerar, que seja com freios bons, farol aceso e mapa que inclua rios, povos e silêncios.
Porque estrada sem escuta vira ruído. E ruído, na Amazônia, ecoa longe.
A verdadeira velocidade de um país se mede quando ninguém fica para trás e nenhuma floresta precisa correr para acompanhar.

Alessandro Lopes é arquiteto e urbanista, mestre em Direito Ambiental. Pesquisador em Cidades Criativas e Inteligentes, comentarista em sustentabilidade e governança urbana.
Deixe um comentário