Tenho, por hábito, cumprimentar as pessoas quando chego ou saio dos locais de trabalho e outros ambientes, independentemente de recíproca.
Confesso que fico um pouco frustrado quando alguns viram o rosto, fazendo de conta que não me ouviram ou sequer notaram minha presença.
De outra forma, até me divirto quando alguns se assustam com a saudação.
Via de regra, esses últimos passam a me cumprimentar regular e cordialmente, daí para frente.
Infelizmente, a prática do cumprimento espontâneo, gratuito, está cada vez mais rara.
Em contrapartida, a abordagem com segundas intenções está cada vez mais comum e cara, no sentido da contrapartida exigida após o cumprimento!
Dizem que não há almoço de graça… Pura verdade! Aliás, estão cobrando até pela graça, o que não é nem um pouco engraçado.
Você atende ao telefone, para ouvir um alegre e simpático: “Bom dia! Como vai?”, com uma intimidade tipo de lista telefônica ou banco de dados, seguida de um falatório que faria qualquer cantor de ópera perder o fôlego.
Toda essa atenção e gentileza precede a estocada final: oferecer serviços que a gente não quer, ou pedir donativos que a gente não pode, regados a psicologia de segunda – usada até nos fins de semana -, com direito a constrangimentos e questionamentos sobre nossa inteligência ou amor ao próximo.
O telefone ainda permite a opção de desligar quando quiser, com a pessoa do outro lado gritando desesperadamente para deixarem ela terminar a ladainha.
Tenho pena de quem trabalha com isso, por saber que são cobrados para atingirem cotas, e disso depende pagar contas e ganhar sustento, pessoal ou familiar.
Isso explica muita coisa.
Não é muito diferente nas ruas:
Quase sempre, uma sorridente saudação vem acompanhada da tentativa de “empurrar” revistas, produtos, imóveis, abaixo-assinados ou religiões de forma até agressiva, psicologicamente, por parte de alguns indivíduos, também com direito a ameaças veladas ou explícitas, em vida ou póstuma, se não convencem “por bem”.
Em alguns casos, a mudança de atitude do assediante faz lembrar do clássico de “O Médico e o Monstro”, de Robert Louis Stevenson, tamanha a transformação de personalidade, sem poção. Atualmente, isso poderia ser considerado comportamento bipolar.
Assim, não é à toa que algumas pessoas acabam desviando o rosto ou fingindo que não ouvem o cumprimento. Talvez estejam tentando se proteger do que viria depois dele.
Não deveria ser assim!
Por que um “Bom dia!”, “Boa tarde!” ou “Boa noite!” não podem ser apenas desejos sinceros e gratuitos?
Parece que a cortesia caiu em desuso, num mundo cada vez mais agressivo e alienado.
Tempos atrás, as escolas tinham em seu currículo aulas de civilidade, que tem como uma de suas definições: “conjunto de formalidades, de palavras e atos que os cidadãos adotam entre si para demonstrar mútuo respeito e consideração; boas maneiras, cortesia, polidez”.
Atualmente, a civilidade foi substituída por expressões da moda, “politicamente corretas”, “engajadas” ou “tribais”.
No entanto, creio que nenhum modismo jamais terá a positividade de um cumprimento, de uma cortesia, ou de um “com licença”, “por favor”, “obrigado” e suas variantes.
Seríamos muito melhores seres humanos, mais transparentes e menos aparentes. E o mundo seria um lugar muito melhor para se viver e conviver!
Adilson Luiz Gonçalves é escritor, engenheiro, pesquisador universitário e membro da Academia Santista de Letras
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