Convite à glória | Boqnews

Opiniões

01 DE FEVEREIRO DE 2024

Convite à glória

José Renato Nalini

array(1) {
  ["tipo"]=>
  int(27)
}

Aquele que escreveu “A minha casa pobre é rica de quimeras”, conhecia o labirinto da alma humana.

Perscrutou-a e identificou aquela “auris sacra fames”, a maldita fome de ouro, que Virgílio inseriu na “Eneida”, como indissociável característica da maior parte da humanidade.

Essa inspiração fez com que Carlos Drummond de Andrade escrevesse “Convite à Glória”: “Juntos na poeira das encruzilhadas conquistaremos a glória. – E de que me serve? – Nossos nomes ressoarão nos sinos de bronze da História. – E de que me serve? – Jamais alguém, nas cinco partidas do mundo, será tão grande. – E de que me serve? – As mais inacessíveis princesas se curvarão à nossa passagem. – E de que me serve? – Pelo teu valor e pelo teu fervor, terás uma ilha de ouro e esmeralda. – Isso me serve”.

Essa a busca incessante, que Drummond inseriu na obra poética “Quixote e Sancho”, mas que traduz aquilo que parcela considerável do bicho-homem persegue durante sua efêmera e frágil peregrinação por este Planeta.

Conquistar, amealhar, acumular. Preocupar-se com a ladroagem. Indignar-se com a tributação.

Impregnar de ambição a própria prole. Atormentar-se. Temer. Saber que tem o que perder.

E não pensar que um dia tudo ficará, para gáudio dos herdeiros, que dilapidarão aquilo que custou suor, sangue e sono do sovina.

Quase toda a humanidade se esqueceu da mensagem evangélica: se tens tanto amor aos tesouros, ali é que você colocou sua alma.

O desespero de não ter controle sobre um futuro no qual você já não estará aqui, levou à sofisticada construção de normas que vinculam o patrimônio, retiram a prerrogativa de uso pleno por parte dos herdeiros, fornecem a ilusão de que o morto continuará a mandar naquilo que um dia foi seu, mas que não levará consigo para o mistério.

Vã ilusão. O tempo tudo desfaz, as gerações se sucedem com rapidez e nem a poeira de quem se preocupou com a glória remanescerá para o cultivo da memória.

Lembrar-se-ão do sovina, que fez da avareza a sua melhor, senão única companhia.

Mago Drummond! Só terminando com o “volto pelos caminhos, à procura de mim, que de mim se perdera…”

 

José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-Geral da Academia Paulista de Letras.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Notícias relacionadas

ENFOQUE JORNAL E EDITORA © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

desenvolvido por:
Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.