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08 DE NOVEMBRO DE 2022

Encontro literário com o sertão

Por: Da Redação

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I

 O poeta, romancista e contista Napoleão Valadares (1946) é autor de Delírio Lírico (Rio de Janeiro, Edições Galo Branco, 2008), obra que tem tudo para se tornar um clássico da poesia brasileira deste século XXI.

Trata-se de um poema construído em decassílabos brancos, sem estrofes, cujos cantos têm 49 versos cada um, exceto os de números V, VI e VII, num total de 1.759 versos, numa narrativa épica que funde a linguagem clássica à popular.

E que abrange, em ordem cronológica, mais de 30 séculos de história, que se inicia com a Guerra de Troia (século XIII a.C.), passando por Sócrates, Platão, Aristóteles, até chegar praticamente aos nossos dias, como bem assinalou o poeta e crítico João Carlos Taveira em rica resenha publicada no Jornal Opção, de Goiânia, em 15/11/2020.

Dono de extensa obra que inclui mais de três dezenas de livros, Valadares, que também se destaca como organizador de coletâneas e antologias, acaba de publicar Encontro de Escritores em Arinos (Brasília, André Quicé Editor, 2022), que reúne quatro palestras que foram lidas no dia 22 de maio de 2022, durante evento organizado pelo escritor com o patrocínio da Prefeitura de Arinos, em Minas Gerais: “A Literatura Brasileira”, por Anderson Braga Horta; “A água do Urucuia”, por Eugênio Giovenardi; “Antônio Dó, um jagunço urucuiano”, por Marcos Sílvio Pinheiro; e “A obra de Guimarães Rosa”, por Wilson Pereira.

Em sua palestra, Braga Horta fez um voo panorâmico sobre a literatura brasileira, desde a carta em que Pero Vaz de Caminha (1450-1500) comunicava ao rei dom Manuel I (1469-1521) as suas primeiras impressões da paisagem e do potencial econômico da terra “descoberta” até o Pré-Modernismo e Modernismo do século XX, depois de exauridos o Realismo e o Simbolismo, incluindo os movimentos de vanguarda.

Em conclusão, Braga Horta reconheceu que a literatura praticada o Brasil não é muito estudada fora dos países de expressão portuguesa, ainda que seja extremamente rica e “sobejamente caracterizada como literatura nacional, brasileira, típica, sem perda de universalidade, sem xenofobia, sem chauvinismo, mas aberta aos ventos do mundo”.

II

Em sua palestra, o filósofo, teólogo, sociólogo e escritor gaúcho Eugênio Giovenardi, que vive em Brasília desde 1972, autor do livro Reencontro – O  que aprendi da natureza (Editora Kelps, 2017), fez um alerta aos habitantes de Arinos, aos mineiros de um modo geral e, principalmente, aos políticos que legislam e produzem leis ambientais sobre a necessidade de se preservar os ecossistemas regenerativos, no caso específico as águas do rio Urucuia, que cerca a cidade e é alimentado por cursos d´água que têm suas nascentes em Goiás, na altura de Formosa, na divisa com Minas Gerais.

“A degradação ambiental que atormenta a população é resultado da agressão sistemática aos ecossistemas cuja função é colaborar com a reprodução da vida e a sobrevivência da biodiversidade”, disse, acrescentando que, em 2050, “os produtores das grandes safras não estarão aqui para se envergonhar de como as novas gerações enfrentarão os desertos sem água”.

Já Marcos Sílvio Pinheiro, membro do Conselho de Cultura do Distrito Federal e professor da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Católica de Brasília, leu o texto que escreveu sobre Antônio Dó, jagunço famoso na região banhada pelo rio Urucuia, que antes teria sido um pequeno e pacato proprietário rural que entraria em conflito com um grande fazendeiro vizinho amigo das autoridades da região.

Depois de passar um mês na prisão, Antônio Dó, revoltado com a humilhação e com a opressão sofrida por ele e outros habitantes locais, formou um bando armado e virou lenda ao combater, por 17 anos, a força policial e os corruptos da região.

Como observou Pinheiro, a fama de Antônio Dó cresceu tanto que ganhou foro literário em livros de João Guimarães Rosa (1908-1967) e em obras de autores que trataram especificamente de sua vida, como Manoel Ambrósio (1865-1947), Saul Martins (1917-2009), Petrônio Braz, Maria Zaíra Turchi  e Napoleão Valadares. “Ora Antônio Dó é visto como bandido, ora como jagunço, ora como herói. Cada autor, em suas narrativas, inspiradas no real, recria o seu personagem com traços fictícios, mas sem abandonar a verossimilhança”, disse.

III

Por fim, Wilson Pereira, poeta e professor universitário, analisou não só a obra de Guimarães Rosa como traçou um breve perfil do escritor para, em seguida, fazer comentários sobre cada um dos livros do autor.

Depois de se aprofundar no romance Grande Sertão: Veredas (1956), sua obra-prima, o professor, ao analisar algumas das histórias curtas (ou contos) de Tutameia – Terceiras Estórias (1967), último livro publicado em vida pelo autor, passou uma informação pouco conhecida: o conto “Barra de Vaca” é uma homenagem à cidade de Arinos, pois aquele seria o antigo nome daquela localidade, como já havia adiantado Napoleão Valadares, incansável estudioso da obra de Guimarães Rosa.

Além disso, Pereira observou que, em todos os livros de Guimarães Rosa, consta a palavra Urucuia, lembrando que, em Grande Sertão: Veredas, o personagem Riobaldo afirma: “Rio meu de amor é o Urucuia”.

Por aqui se vê que Pereira fez um atilado juízo, ao recorrer ao escritor italiano Umberto Eco (1932-2016) para definir o trabalho literário de Guimarães Rosa como “obra aberta, isto é, a obra que não se fecha em si mesma, mas que só se completa no destinatário, no caso da literatura, o leitor”.

E acrescentou: “Assim, a obra não só se realiza plenamente como até se amplia com as descobertas que o leitor faz, dependendo de sua capacidade intelectual, de seus conhecimentos literários, de sua intuição, de sua sensibilidade”.

De fato, ainda que tenha sido estudada a fundo tanto no Brasil como fora do país, tendo sido tema para numerosas dissertações de mestrado ou teses de doutoramento em Letras, a obra de Guimarães Rosa mostra-se inesgotável, permitindo “uma multiplicidade de interpretações, com diferentes enfoques”, como afirmou Pereira.

IV

É de se lembrar ainda que, em 2021, Napoleão Valadares lançou a quarta edição de Dicionário de Escritores de Brasília (Brasília, André Quicé Editor), revista, aumentada e atualizada, que traz uma relação detalhada de escritores que residem ou residiram na capital federal e que tenham desempenhado lá suas atividades intelectuais.

São verbetes sucintos, com sínteses biográficas, sem opinião pessoal ou crítica. Trata-se de um livro de consulta, que procura facilitar as atividades de estudantes e pesquisadores interessados na literatura praticada em Brasília.

No prefácio que escreveu para a obra, Valadares lembra que Clemente Luz (1920-1999) foi o primeiro a publicar crônicas em jornais em Brasília, mas esses textos só seriam reunidos em livros muito depois em Invenção da Cidade (1968) e Minivida (1972). E que José Marques da Silva (1938-2008), migrante goiano, escreveu Diário de um Candango, que saiu em 1963 por uma editora do Rio de Janeiro.

O livro, de certa forma, homenageia o candango, nome que designa cada um dos operários que trabalharam nas grandes construções da cidade de Brasília, geralmente oriundos do Nordeste.

Com base em estudo do professor Fábio Lucas, o organizador cita o mineiro Garcia de Paiva (1920-2012) como o primeiro ficcionista a fazer de Brasília cenário de ação romanesca, com a novela Luana (1962), publicada em São Paulo. De acordo com ele, a primeira obra literária editada na nova capital é Poetas de Brasília, de 1962, organizada por Joanyr de Oliveira (1933-2009).

V

Napoleão Valadares, nascido no então distrito de Arinos, pertencente ao município de São Romão-MG, estudou no Grupo Escolar Major Saint-Clair, naquela localidade.

Mudou-se com a família para Formosa, no interior de Goiás, completando o curso primário na Escola Paroquial Nossa Senhora da Conceição, que funcionava no Ginásio Arquidiocesano do Planalto.

De 1962 a 1965, esteve no Ginásio São João, de Januária-MG. Em Brasília, a partir de 1966, cursou o científico no Centro de Ensino Médio Elefante Branco e ingressou na UnB, onde fez o curso de Direito.

Tem atuação efetiva na Associação Nacional de Escritores (ANE), da qual foi presidente por três mandatos, fazendo parte de seu conselho administrativo e fiscal.

É membro da Academia Brasiliense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da Academia de Letras do Brasil e da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco-MG. Exerceu os cargos de assistente jurídico da União, diretor de Secretaria da Justiça Federal, assessor de juiz do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região e advogado da União. Foi cofundador e diretor do jornal Correio do Vale.

Entre suas principais obras também estão: ANE – Cinquenta Anos (organização e participação, 2013); História de Arinos (2013, 2015 e 2017); Do Sertão (contos, 2016); Nomes (2017); Os Personagens de Grande Sertão: Veredas (1982); Planalto em Poesia (organização e participação, 1987); Contos Correntes (organização e participação, 1988); Urucuia (romance, 1990); Resposta às Cartas Chilenas (poema, 1998); De Gregório a Drummond (organização, 1999); Remanso (romance, 2000); Pensamentos da Literatura Brasileira (2002); Chuvisco (haicais, 2003); Nomes (2017); Caminhos Diversos (2018); Frases da História (organização, 2019);   Máximas e Mínimas (2019);  e Fantasia (poemas, 2020).

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Encontro com Escritores em Arinos, organização de Napoleão Valadares. Brasília: André Quicé Editor, patrocínio da Prefeitura de Arinos-MG,  80 páginas, 2022.

Dicionário de Escritores de Brasília, de Napoleão Valadares, 4ª edição. Brasília: André Quicé Editor, 502 páginas, 2021.

 

Adelto Gonçalves é mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana, doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imesp, 2012),  Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: [email protected]

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