A palavra “legado” significa: disposição de última vontade pela qual o testador deixa a alguém um valor fixado ou uma ou mais coisas determinadas; ou ente querido, bem ou missão confiada a alguém por pessoa que está a ponto de morrer.
Daí, o que certas pessoas estimam ser um legado positivo que pretendem deixar para seus descendentes ou para a humanidade, pode ser uma utopia baseada numa crença ou idealização pessoal, não raro com uma certa dose de soberba ou vaidade, mas também pode ter efeitos negativos, até dramáticos.
São tantas as variáveis e imponderabilidades que podem afetar o futuro que, para um legado ser minimamente realizável, é preciso pensar de forma mais ampla e pragmática, sem privar o destinatário de livre-arbítrio.
É natural desejar o melhor para decentes, o que inclui condições para que tenham uma vida tranquila, num mundo onde a paz e a comunhão com a natureza sejam regra.
Algo como havia quando havia poucos seres vivos no planeta, caçando e coletando em vastas áreas, se deslocando sempre que os recursos se exauriam.
Mas já existiam disputas por territórios e recursos naturais.
A equação é simples? A história tem demonstrado que não, tantas foram as “paxes”, crises, conflitos, tragédias naturais e epidemias registradas.
Até que ponto o que se que se pretende legar pode superar ou minimamente contornar essa multiplicidade de cenários potenciais?
Quem tem poder de decisão em qualquer âmbito: familiar, empresarial ou institucional, precisa cuidar para que sua concepção de “mundo ideal” considere todas as variáveis influentes, e não apenas crenças pessoais, religiosas ou ideológicas.
Isso tem tudo a ver com sustentabilidade!
Quem pode deixar fortunas como legado, pode pensar que o futuro dos destinatários será tranquilo. Mas, e se o dinheiro não tiver mais valor?
Quem pensa que negar o desenvolvimento econômico garantirá um futuro melhor para os seus e até para a humanidade, pode estar lançando a semente de tensões sociais resultantes da falta de empregos, fome e desesperança, o que historicamente tem sido o cenário ideal para o surgimento de lideranças carismáticas populistas, sublevações, revoluções, regimes opressores e guerras, com poucos controlando e decidindo a vida de muitos.
Nesse contexto, não faltam exemplos de tentativas de solucionar problemas pela eliminação do que alguns, segundo seus interesses ou crenças, consideraram ou decidiram serem as causas.
É preciso pensar bem no que se pretende legar, pois a natureza, inclusive a humana, não é totalmente previsível.
Considerando essa condição incerta, talvez o melhor legado que se possa deixar, individual ou coletivamente, é ter consciência de que não estamos sós no mundo, de que nossas crenças não são únicas nem absolutas, de que direitos e deveres existem em proporção similar, da importância da empatia, e de que o equilíbrio entre os seres humanos e a natureza envolve racionalidade e não extremismos de qualquer espécie.
Adilson Luiz Gonçalves é escritor, engenheiro, pesquisador universitário e membro da Academia Santista de Letras
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