Vivemos sob os efeitos de um espelho invertido.
De um lado, empurramos nossas crianças para uma vida adulta que não lhes pertence, cobrando performance, estética e consumo.
Do outro, nós, os adultos, nos refugiamos em uma infantilidade cômoda, movida a recompensas instantâneas e a uma aversão crescente à complexidade e à responsabilidade. Este aparente paradoxo não é um acaso.
É o sintoma mais claro de uma sociedade que abdicou da maturidade em troca do entretenimento; e o preço dessa troca é o futuro de toda uma geração.
O motor dessa engrenagem é um sistema econômico que transformou a atenção em mercadoria e o cidadão em consumidor.
As plataformas digitais, com seus algoritmos viciantes, são a mais perfeita expressão desse modelo.
Para as crianças, elas vendem a “adultização” como um produto aspiracional, monetizando cada gesto e criando uma legião de pequenos influenciadores ansiosos.
Para os adultos, o produto é outro: um fluxo infinito de conteúdo simplificado, debates polarizados e desafios virais que nos mantêm engajados, mas dóceis.
Ao nos tratar como crianças que só respondem a estímulos fáceis, o sistema nos infantiliza e, assim, nos torna coniventes com o roubo da infância alheia.
O resultado dessa engenharia social é uma tragédia gritante que se desenrola dentro de casa.
O adulto infantilizado, treinado para a gratificação imediata e para a superficialidade das relações digitais, perde as ferramentas essenciais para guiar uma criança no mundo real.
Como ensinar o valor da paciência, da resiliência e do pensamento crítico quando nós mesmos estamos presos em um ciclo de dopamina que dura quinze segundos?
A criança “adultizada” é, em grande parte, o reflexo de um adulto que não consegue mais exercer a complexa e bela tarefa de ser um porto seguro.
Diante desse cenário, a resposta mais comum é clamar por políticas públicas, leis e regulação. E, sem dúvida, são passos necessários.
Temos legislações avançadas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Marco Civil da Internet.
O problema é que essas leis são como um software sofisticado tentando rodar em um hardware social e político quebrado.
A fiscalização é precária e a execução de políticas públicas falha porque, como sociedade, perdemos o fôlego para projetos de longo prazo.
A mesma lógica imediatista que nos prende às telas infecta a gestão pública, que prefere o paliativo vistoso ao investimento estrutural e silencioso.
É aqui que a verdadeira solução se revela, não como um remendo, mas como a única forma de reconstruir nosso “hardware” social: a Educação.
Não falo apenas de instrução formal, mas de uma Educação para a vida, que fomente o senso crítico, a inteligência emocional e a ética do cuidado.
É ela que pode fornecer as ferramentas — os “anticorpos” — para que crianças e adultos se tornem resilientes à manipulação dos algoritmos e à cultura do consumo desenfreado. Investir em Educação é a forma mais eficaz de quebrar o feitiço do algoritmo.
Portanto, a luta pela proteção da infância é, fundamentalmente, uma luta pelo resgate da nossa própria maturidade.
Exige que nós, adultos, tenhamos a coragem de desligar o piloto automático, de buscar a profundidade em vez da distração e de assumir a responsabilidade por construir um mundo onde as crianças tenham o direito de ser, simplesmente, crianças.
É um duplo resgate, e um depende inteiramente do outro.
André Naves é defensor público federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; Cientista Político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural, Escritor e Professor (Instagram: @andrenaves.def).
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