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31 DE DEZEMBRO DE 2025

Não ver o tempo passar

Adilson Luiz Gonçalves

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“Je n’ai pas vu le temps passer” (Eu não vi o tempo passar), diz uma antiga canção de Charles Aznavour.

Normalmente, quando alguém pensa nisso, é com a sensação de tempo não vivido, mal vivido ou desperdiçado.

Mas a noção de tempo é de extrema complexidade, relativa, como Einstein teorizou.

Quando estamos felizes, ele parece passar depressa, mas a sensação é a mesma quando estamos aflitos ou ansiosos. No entanto, beira à eternidade quando esperamos avidamente por dias melhores, ou volta a “passar” vertiginosamente quando saturamos nossas vidas com trabalho insano e atividades de toda espécie, quais narcóticos a nos distrair da falta de sentido que damos à vida, ou que não encontramos nela.

Esse derradeiro modo de encarar o tempo destrói nossa sensibilidade, nossa humanidade.

As pessoas viram objetos, números. Os objetos tornam-se mais importantes do que elas, mas todos perdem valor a qualquer momento em nome de um “novo” que não necessariamente inova.

O ritmo desenfreado e impulsivo faz com que o tempo que não se vive, ou que se vive mal, “flua” mais rápido, por inércia, sem brilho, sem detalhe, sem memória, sem paixão, sem sentido.

De repente a gente para, olha em torno, olha para si, no espelho, e para dentro, na alma, e percebe que não viu o tempo passar, não porque se quis que ele passasse depressa, mas porque esteve alheio a ele, ou à espera passiva de dias melhores.

Esses podem ter sido tempos cheios de sensações, mas sem sentimentos.

Tempos que não nos dão a leveza da vida em plenitude, mas o peso do vazio existencial.

Tempos que nos esvaem numa induzida vertigem materialista.

Vertigem que começa com coisas, depois se estende a pessoas.

Vertigem que substituirá amigos por interesses?

Então, sem que se perceba, todos os prazeres terão sido experimentados, sem limites — às vezes exacerbados artificialmente —, mas sem nenhum vestígio de amor sincero; os sons da natureza serão inaudíveis; as pessoas amadas serão intocáveis; os aromas e gostos serão modas?

No limite, o dia presente tornar-se-á uma vaga esperança do dia futuro, que nunca virá porque não é construído; porque, quando chegar, será mais um dia presente, que se quer passado.

Quem aceita viver assim se transforma em mais uma engrenagem da máquina de moer vidas do mercado ou em uma peça do relógio do tempo perdido, que o atrasar dos ponteiros nunca conseguirá resgatar.

O tempo não merece isso!

É preciso dar graças à vida e tornar cada dia único, memorável!

Material, sim, mas principalmente humano e espiritual, para que toda vez que pensarmos na vida, tenhamos a certeza de que ela está sendo bem vivida, com todos e em todos os sentidos.

 

Adilson Luiz Gonçalves é escritor, engenheiro, pesquisador universitário e membro da Academia Santista de Letras

 

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