Há promessas que não cabem no calendário. Ficam suspensas no tempo, respirando junto com o estuário.
Entre Santos e Guarujá, o túnel foi por décadas apenas ideia murmurada, rumor de plenárias, rabisco em relatórios, esperança guardada na fila da balsa.
Crescemos ouvindo falar dele como quem herda um mito da infância coletiva.
Agora o mito desce ao chão. O certame já aconteceu, contratos selaram a intenção, máquinas se preparam para abrir caminho sob as águas.
São números precisos: um quilômetro e meio projetado, quase novecentos metros debaixo do mar, seis pistas, ciclovia, passagem de pedestres, reserva para trilhos futuros.
A travessia enfim deixa de ser lenda e se arrisca no concreto.
As cifras impressionam, falam em bilhões, empregos, décadas de concessão.
Mas nenhum balanço contábil registra a espera em silêncio, o humor que nos salvou da descrença, as piadas que mantiveram vivo o fio da esperança.
Quando dizíamos que o túnel só existiria se nevasse em Santos, estávamos fabricando resistência em forma de riso.
O que se ergue agora não é apenas uma obra viária. É um elo entre territórios distintos: o centro histórico, guardião de armazéns e memórias, e Vicente de Carvalho, bairro pulsante do Guarujá, onde o comércio borbulha e o aeroporto anuncia movimento.
Não deixa de ser simbólico que leve o nome de um poeta, aquele que viu no mar a metáfora da luta incessante. A travessia de hoje cumpre um sonho de gerações.
Mas há um custo que não cabe em planilhas. Cada avanço da escavação toca manguezais, afeta modos de vida, reorganiza a paisagem e exige cuidado. Não basta desenhar galerias para veículos.
É preciso garantir que o projeto se transforme em compromisso social e ambiental.
O túnel só será verdadeiro se nascer como pacto metropolitano, respeitando memórias, famílias e ecossistemas.
O maior feito talvez não esteja no instante em que a primeira claridade atravessar a galeria recém-aberta.
Estará no gesto coletivo de não desistir, de manter acesa a crença em meio a marés políticas e esperas alongadas. Persistir foi, até aqui, a maior engenharia.
Enquanto aguardamos, seguimos com o riso cauteloso e a esperança teimosa.
Porque o valor de uma cidade não se mede pelo volume de concreto empregado, mas pelo modo como ela cuida de quem a habita e de quem a atravessa.
Que o túnel, ao emergir, não seja apenas obra de engenharia, mas um sinal de pertencimento. Abraço que une margens, corpo de concreto que carrega também alma, testemunho de que os sonhos mais demorados podem enfim encontrar passagem.
Alessandro Lopes é arquiteto, mestre em Direito Ambiental e pesquisador em Cidades Criativas
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