O professor e o bode | Boqnews

Opiniões

18 DE FEVEREIRO DE 2011

O professor e o bode

Por: Da Redação

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Moralismo se faz com pressa. E política rasteira se pratica com desinformação. Quando os dois se juntam, para deleite dos hipócritas, julgamentos acon-tecem sem tempo de avaliação. Culpados e inocentes, vítimas e agressores, têm seus papéis definidos no calor da hora.


A Escola Estadual João Octávio do Santos, no Morro do São Bento, se envolveu num episódio impregnado de mora-lismo barato. Um dos professores de Matemática do ensino médio foi afastado por utilizar exemplos de criminalidade, como tráfico de drogas e prostituição, para criar problemas aritméticos para seus alunos.


A história viraria fofoca nos bancos escolares se o assunto não chegasse à imprensa. A partir daí, as “autoridades”, em ritmo de prova de 100 metros rasos, correram para mostrar serviço e exerceram – sem assumir publi-camente – os papéis de carrasco e juiz. Sequer cogitaram avaliar os riscos de um estigma, de uma execração pública para qualquer um dos atores da trama.


Os moralistas sempre agem com base em problemas pontuais. Jamais o colocam no contexto. Nunca esbarram na estrutura. Ignoram o entorno. Operam como se o mundo funcionasse no preto e no branco, sem considerar os diversos tons de cinza que transitam entre as duas cores. Reproduzem o enredo de uma novela no horário nobre, na qual mocinhos e vilões são claramente definidos, sem espaço para a contradição e as nuances.


É evidente que os exemplos utilizados pelo professor de Matemática são exagerados, reprováveis em termos peda-gógicos. O professor poderia trabalhar o problema da segu-rança pública de inúmeras maneiras, sem dar margem a ata-ques histéricos e atabalhoados. É fundamental deixar cristalino que o objetivo não é defendê-lo, e sim colocar alguns aspectos que me parecem fundamentais para a compreensão mais aguda do episódio.


Embora tome decisões sozinho, um professor não é independente em absoluto. Se atua assim, é porque houve confiança ou negligência da equipe pedagógica. Quando o professor comete deslizes, a equipe tem a obrigação de orientá-lo e corrigir a rota das atividades dentro e fora da sala de aula.


Para evitar constrangimentos, é prática recorrente no planeta educação afastar o docente. O bode expiatório recebe o carimbo na testa, e a sujeira é enterrada embaixo do tapete. Não há co-responsáveis ou a percepção de oportunidade para transformar um erro em avaliação de um problema social.


Em Santos, existem escolas públicas e privadas que proibiram professores de discutir política em sala de aula às vésperas das eleições, no ano passado. Em uma das escolas, no Boqueirão, a diretora alegou que opção política era uma questão familiar e que os alunos poderiam se tornar rebeldes. Rebeldia e alienação, que poderiam ser palavras antônimas, foram costuradas como gêmeas.


No caso da escola João Octávio dos Santos, o professor de Matemática, ao falar de crimi-nalidade, não discorreu sobre alienígenas ou temas absoluta-mente distantes dos estudantes. Quem já foi ao Morro do São Bento sabe que os moradores convivem diariamente com a violência física e psicológica imposta pelo tráfico de drogas. Muitos dos adolescentes, que deveriam estudar, deixam a escola para se transformar em aviões ou vigias dos traficantes locais.


Na outra ponta da corda, a Polícia Civil anunciou – segundo reportagem do jornal A Tribuna – que investigaria possível apologia ao crime. Parece-me sensato acreditar que um professor, quando aborda a criminalidade, tem a intenção de despertar em seus alunos a consciência sobre o problema, e não formar uma geração de consumidores de cocaína e crack. Ou alguém apostaria na teoria de que um professor debate tráfico de drogas ou prostituição para recrutar soldados e garotas para o crime?


Esta história, infelizmente, engrossa o coro do delírio social. Perde-se a oportunidade de expor a frágil infra-estrutura do bairro, e permite-se que o Poder Público, omisso de carteirinha, se esconda por trás da máscara do politicamente correto. Neste festival de cinismo, prevalece o estigma – a “aula do crime”, como o caso foi intitulado –, e o principal envolvido é silenciado para assegurar que o estado de coisas sobreviva, sem maiores estragos.

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