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Opiniões

21 DE JUNHO DE 2024

O Turismo perde um contador de histórias

Diogo Dias Fernandes Lopes

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Conheci o Luciano Simões quando trabalhávamos no navio de cruzeiros MSC Opera.

Atuava no departamento de excursões e ele nas lojas que vendiam perfumes, relógios e outros artigos. Éramos “staff”, uma das três divisões que costumam agrupar a tripulação.

Os outros são “crew members” e oficiais.

Tempos bons aqueles! Tínhamos uma boa relação apesar de não sermos tão próximos.

Descobrimos que ambos éramos da Baixada Santista. E nosso vínculo não se perdeu devido às redes sociais.

Começamos a nos encontrar em Santos. Ele era professor de natação em São Vicente e eu começava a desenvolver a minha agência de turismo receptivo.

Ele acabou deixando essa atividade de lado e começou a alugar um carro para fazer Uber. Estava feliz por ter a autonomia de ir para onde quisesse e, de vez em quando, se aventurava por São Paulo.

Comecei a incentivá-lo para trabalhar com turismo, pois sabia que falava inglês por ter morado nos Estados Unidos.

Engraçado, que foi durante a pandemia que tivemos a nossa maior interação.

Quando tudo estava fechado e a única opção de lazer ao ar livre era uma corridinha ou uma pedalada, era com duas rodas que nos aproximávamos, literalmente.

Tempos difíceis! Como todos, estávamos angustiados com todo aquele momento. E nossos bate-papos eram um alento para ambos.

Ele valorizava as pequenas coisas da vida, como uma boa refeição e como poder contar com as irmãs. Teto e comida não faltariam e saúde era o que mais importava.

Falávamos sobre nossos problemas e nossas aspirações. Mas não deixamos que ideias ficassem somente no pensamento.

Achávamos que o turismo da nossa cidade poderia ser muito melhor desenvolvido para dar oportunidade de trabalho a muito mais pessoas e levar muito mais conhecimento para os nossos visitantes.

Resolvemos fazer um estudo sobre os monumentos presentes no jardim da orla de Santos. E ele se empolgou.

Mandava links interessantes sobre alguns personagens da nossa história, como Saturnino de Brito e Maria José Aranha de Resende, a Zezinha. Comprou um livro dela em um Sebo, o Rosa Desfolhada e outro do poeta do Mar, Vicente de Carvalho.

Luciano era fascinado pela história dos judeus e me contava sobre as suas descobertas. A chegada deles no Brasil e como faziam para esconder a sua fé. Falava também sobre o “cemitério das polacas” e outras curiosidades.

Ele tinha as características que mais precisamos para receber bem os estrangeiros na região. Boa conversa, interesse pela história e pela nossa cultura e o domínio de idiomas. Se comunicava também em espanhol.

Quando colocamos os tours do projeto Pedal Parceiro em prática, e no começo com todos usando máscaras, era marcante a sua interpretação em declamar o poema Rosa Desfolhada, da Zezinha.

E um pouco desajeitado, tentava chamar a atenção para que mais pessoas notassem que estávamos fazendo um roteiro ciclístico e que pudessem vir a participar. Queria mostrar o nosso trabalho.

Com a vida mais normalizada passamos a oferecer um roteiro temático a pé sobre o café no centro histórico de Santos.

Eu planejei as paradas e as suas durações. Luciano já tinha feito um curso e estava habilitado para atuar como guia de turismo.

Fizemos alguns desses passeios juntos e a maior dificuldade era captar os clientes. Mas quando conseguíamos, eles adoravam.

Mas Luciano queria criar também seus próprios projetos, com a sua marca. Criou um perfil no Instagram e começou a fazer as coisas do seu jeito. Não conciliamos bem as duas vertentes.

Foi o nosso momento mais tenso. Sentia-me como um “padrinho” dele no turismo. Mas entendi sua opção. Por isso, perdemos um pouco de contato.

E parece que ele obteve êxito! Começou a atuar também para outras empresas e aproveitar a demanda por guias de turismo, na temporada de cruzeiros, por exemplo.

Luciano buscava melhorias para a sua cidade. Denunciava nas redes sociais a falta de ciclovias e que colocavam ciclistas e pedestres em risco e também denunciava sobre as más condições das vias.

Difícil entender o motivo que o levou desse plano terreno. Ele pedalava de maneira regular, nem rápido, nem devagar, como se tivesse nadando com velocidade constante numa infindável ida e vinda de uma piscina.

Sua bicicleta, uma Alphameq antiga e de cor bordô, que se orgulhava em tê-la trazido dos EUA era a sua fiel escudeira.

Chegou a investir em novos equipamentos para deixa-la sempre da melhor maneira possível.

Mas aconteceu o improvável. Pelo que nos relataram, em um sábado, ele teve uma queda que machucou duramente sua costela, com o guidão.

Teria perfurado seu pulmão. Ele não tinha a noção da gravidade.

O ferimento acabou complicando e levando ao seu falecimento. Como a vida é frágil!

Que você descanse em paz, meu amigo e colega de trabalho.

Sentiremos a sua falta!

 

Diogo Dias Fernandes Lopes é turismólogo, guia de turismo, com pós-graduação em Gestão de Negócios.

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