Todas as guerras passam por
momentos de cessar-fogo. É a hora em que os peões do tabuleiro revisam suas
táticas, redesenham estratégias, mas, acima de tudo, justificam suas ações
internamente e se fortalecem para o próximo surto de violência.
Todas as guerras, antes do tiro inicial, que transformará
a primeira vítima em mártir, assassinam a verdade. Erguem cenários e
personagens fictícios, superdimensionam as motivações para massacrar o outro,
mascaram suas cobiças e mesquinharias, glorificam a si mesmos como essenciais
no centro do palco. Mentir é um exercício contínuo de propaganda, com a
conivência dos omissos, cientes de seus ganhos secundários com o conflito.
São Paulo, hoje, é o campo de batalha que atende a todas
as características descritas acima. Os dados divulgados na última quinta-feira,
dia 25, pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, confirmam que o Estado
de São Paulo, incluindo a Baixada Santista, preenche os pré-requisitos para
manter a classificação de zona de guerra.
No Estado, o número de homicídios cresceu 27% em
setembro. A estatística é comparativa ao mesmo mês, no ano passado. Na Capital,
os assassinatos dobraram. 144 pessoas morreram em setembro, contra 71 no mesmo
período, em 2011. Na Baixada Santista, foram 17 homicídios dolosos, contra 10
no mesmo mês do ano anterior. Um detalhe: a sopa de números não inclui o último
banho de sangue, que aconteceu em outubro.
Sempre desconfiei dos números do Estado. Tenho a sensação
de que os índices tendem a ser maiores. No passado, reportagens mostravam que
as estatísticas falhavam, voluntariamente ou não, para baixo.
Independentemente dos números, a última crise entre PM e
PCC indica que ainda estamos lambendo as feridas do último surto de violência.
De 2006 para cá, houve pelo menos mais três ondas de confrontos, com mortos de
ambos os lados, fora os inocentes que estavam no lugar errado na hora errada.
Seriam eles danos colaterais, destinados a desaparecer do noticiário em uma
semana, ou a virar mais um número na pilha de casos não investigados?
Nesta guerra, o discurso das autoridades de gravata é
paradoxal. Ao mesmo tempo em que o governador fala em combate ao crime
organizado e à economia do tráfico de drogas, tenta minimizar o PCC como pedra
no sapato da estrutura da segurança pública. Por esta lógica, ou o PCC ganhou
outro nome bastante comum na sociedade movida pelas aparências ou se
desmembrou em pequenas franquias, numa eficiente ação de marketing.
O
comandante da PM, Roberval França, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo,
negou descontrole da criminalidade. Para ele, houve mais casos de morte por
motivos passionais, ataques entre criminosos e por cobrança de dívida de
drogas. Os tipos descritos não seriam assassinatos? Assassinato não é crime,
até para os cínicos?
O
momento é de cessar-fogo. É a hora em que os senhores da guerra reaparecem para
explorar a máquina de propaganda, que desumaniza e atira a todos no
liquidificador de porcentagens. Todos perdem seus nomes, desde o traficante
famoso pela liderança no Estado paralelo ao rapaz que morreu sem saber o que
havia feito de errado.
Na política de matar
(ou executar) para combater o crime, sobra também para os policiais, mortos na
folga, nos bicos ou em serviço oficial. Os senhores da guerra vão honrar seus
soldados, por vezes em trincheiras, ou vão permanecer no palavrório da
matemática, hoje entre a soma e a multiplicação dos corpos?
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