Os ‘Salvadores da Pátria’ e o Estado-Espetáculo | Boqnews

Opiniões

09 DE SETEMBRO DE 2025

Os ‘Salvadores da Pátria’ e o Estado-Espetáculo

Gaudêncio Torquato

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O que Milei, Lula, o falecido ditador de Uganda, Idin Amin Dada e o Caudilho da Espanha, Francisco Franco, têm em comum?

Pois é, um governante da direta, outro da esquerda, um dos mais sanguinários ditadores da história e o ex-mandachuva espanhol têm um encontro marcado na porta do céu.

Os quatro, em seu tempo de governança, consideram-se (consideravam-se) enviados de Deus para “salvar” seus países.

Sinal dos tempos. O nome de Deus nunca foi tão usado pela esfera política, principalmente em tempos de crise.

Deus é sempre a referência de homens que carregam em sua alma a pretensão da onipotência. Alguns exemplos.

Começo com Javier Milei, argentino que habita a Quinta de Olivos (residência dos presidentes), representando o ultraliberalismo e que, nos últimos tempos, tem mostrado sua face esotérica, como descreve o jornalista Juan Luis González, em seu livro “As Forças do Céu, Segredos, Confissões e Perigos da Primeira Presidência Messiânica”.

Místico, solitário, cercado por quatro pets clonados do cão Conan, seu falecido xodó, e ancorado na irmã Karina, real comandante do projeto político, Milei é um mistério: abomina as religiões tradicionais, e ninguém sabe de suas atividades diárias, vai à Casa Rosada uma vez por semana, recebe poucas pessoas, cercando-se de um núcleo de fiéis amigos que compartilham de seu esoterismo.

Prometendo apenas governar e refundar o país, dolarizar a economia, cortar gastos público e enterrar a “casta política”, Milei usa uma retórica de tons quase religiosos: o inimigo é o Estado, e a liberdade individual é o paraíso a ser conquistado.

Tanto Milei quanto Lula se apresentam como homens providenciais, guiados por uma missão histórica ou divina, podem redimir os maldes coletivos e refundar a Nação.

O segundo é o palanqueiro que tentará buscar seu quarto mandato como presidente. Luiz Inácio se acha um predestinado.

Contam-se 10 exemplos de declarações em que Lula se compara a Deus.

A última foi sobre o sofrido Nordeste: ” Deus deixou o sertão sem água” porque sabia que ele seria presidente do Brasil para resolver o problema histórico.

Quando não se compara a Deus, Lula avisa aos seus fiéis que não é tão fiel a eles: “não tenho vergonha, muito menos tenho razão para não dizer que mudo de posição… prefiro ser considerado uma metamorfose ambulante”.

Para sua base, Lula continua sendo o guia capaz de salvar o Brasil das forças do atraso, do autoritarismo e do neoliberalismo (onde se agasalha Javier Milei).

Explicando: se Lula encarna um messianismo de raízes populares e de esquerda, Javier Milei surge na Argentina como o profeta do antipetismo local e do ultraliberalismo.

A identidade ideológica do ciclo lulista vem mudando de posição desde o primeiro mandato, quando ainda se podia dizer que iniciava ali o percurso da esquerda.

Hoje, os próprios petistas consideram que o Lula 3 caminha pela trilha de centro-direita, como garante José Dirceu, um dos fundadores do PP, ex-deputado e ex-chefe da Casa Civil do primeiro governo petista.

Assim falou Dirceu: “Lula montou um governo que não é de centro-esquerda, é um governo de centro-direita. Eu falo isso e todo mundo fica indignado dentro do PT. Mas essa é a exigência do momento histórico e político que nós vivemos”.

O terceiro “enviado de Deus” é o ex-ditador de Uganda, Idi Amin. Conta-se dele uma historinha. Dizia ao povo que falava com Deus nos sonhos.

Certo dia, um jornalista lhe fez uma pergunta: “O senhor tem com frequência esses sonhos? Conversa muito com Deus”? Lacônico, respondeu: “Só quando necessário”. O “enviado de Deus” assassinou cerca de 500 mil pessoas.

O quarto é o ditador Francisco Franco, que usava a Providência Divina para se afirmar: “Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos”.

Não satisfeito, mandou cunhar nas moedas: “Caudilho da Espanha pela graça de Deus”.

O ditador, que liderou o país de 1930 até sua morte, em 1975, foi marcado por violações dos direitos humanos.

Implantou uma ditadura conservadora e autoritária, de características fascistas. Contou com o apoio da Alemanha nazista e da Itália fascista.

O franquismo foi caracterizado por conservadorismo, militarismo e um forte sentimento nacionalista, sendo marcado pela perseguição e assassinato de oponentes.

Interessante observar que os “salvadores da Pátria” capricham no uso da linguagem popular e no desempenho como atores, conforme descreve o sociólogo francês Roger-Gerard Schwartzenberg, em seu O Estado-Espetáculo, lançado em 1977.

Na política contemporânea, os governantes deixam de ser apenas administradores da máquina pública.

Tornam-se atores em cena aberta, diante de uma plateia que aplaude, vaia e cobra.

Schwartzenberg mostra que a política se transformou em dramaturgia, com palco, iluminação, plateia e personagens, sendo o mais poderoso deles o “salvador da pátria”.

Essa figura surge em tempos de crise, quando a sociedade se vê diante de ameaças econômicas, corrupção generalizada ou instabilidade institucional.

O “salvador da pátria” precisa encarnar uma narrativa épica: o herói que luta contra os vilões da vez — elite corrupta, partidos decadentes, o imperialismo e a imprensa “inimiga”.

Como num roteiro teatral, seus gestos são calculados, seus silêncios carregados de sentido, seus discursos pensados para emocionar mais do que convencer racionalmente. A política se converte em performance.

O Brasil conheceu o “pai dos pobres” Getúlio Vargas, que transformou o rádio em meio de ligação direta com as massas e terminou sua trajetória com uma carta-testamento que ainda hoje ecoa como ato derradeiro de encenação política.

Na Argentina, Perón e Evita fizeram da Casa Rosada um palco de ópera popular, mobilizando descamisados como parte ativa da cena.

Na França, Charles de Gaulle encarnou a grandeza nacional: sua voz grave e seus discursos televisionados reforçavam a imagem de estadista destinado a salvar a pátria em momentos críticos.

No presente, como escrevemos acima, Lula se confunde com uma narrativa de redenção coletiva; já Milei, na Argentina, transforma leões e serras em marca estética de sua cruzada contra o “sistema”.

Em suma, o “salvador da pátria” é a personagem do Estado-Espetáculo. Emociona, cativa, ilude.

Porém, como todo espetáculo, sua força depende da manutenção constante da cena. Quando as luzes se apagam, o mito desmorona.

O segundo é o palanqueiro que tentará buscar seu quarto mandato como presidente. Luiz Inácio se acha um predestinado.

Contam-se 10 exemplos de declarações em que Lula se compara a Deus. A última foi sobre o sofrido Nordeste: ” Deus deixou o sertão sem água” porque sabia que ele seria presidente do Brasil para resolver o problema histórico.

Quando não se compara a Deus, Lula avisa aos seus fiéis que não é tão fiel a eles: “não tenho vergonha, muito menos tenho razão para não dizer que mudo de posição… prefiro ser considerado uma metamorfose ambulante”.

Para sua base, Lula continua sendo o guia capaz de salvar o Brasil das forças do atraso, do autoritarismo e do neoliberalismo (onde se agasalha Javier Milei).

Explicando: se Lula encarna um messianismo de raízes populares e de esquerda, Javier Milei surge na Argentina como o profeta do antipetismo local e do ultraliberalismo.

A identidade ideológica do ciclo lulista vem mudando de posição desde o primeiro mandato, quando ainda se podia dizer que iniciava ali o percurso da esquerda.

Hoje, os próprios petistas consideram que o Lula 3 caminha pela trilha de centro-direita, como garante José Dirceu, um dos fundadores do PP, ex-deputado e ex-chefe da Casa Civil do primeiro governo petista.

Literalmente: “Lula montou um governo que não é de centro-esquerda, é um governo de centro-direita. Eu falo isso e todo mundo fica indignado dentro do PT. Mas essa é a exigência do momento histórico e político que nós vivemos”.

 

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

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