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Opiniões

14 DE JULHO DE 2022

Porta-voz da democracia

Por: Da Redação

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Eu li em algum lugar que a dor é um componente fundamental da cultura. A dor entendida como rejeição ou oposição a um status-quo que desvaloriza o ser humano em sua dimensão social ou política e que se converte no DNA do produto cultural. A relação entre a Ditadura Militar e a MPB traduz nitidamente esta relação.

Tanto isto é verdade que a intensidade da produção cultural daquela época é lembrada até hoje, na música, no teatro, nas artes plásticas, na literatura, no cinema e até mesmo na imprensa, que publicava poemas de Camões para protestar contra a censura que cerceava a livre circulação de ideias.

Quando estamos diante de um inimigo poderoso, temos que ser criativos e astutos para superá-lo, ou no caso, enganá-lo. E foi assim que a cultura brasileira driblou a censura e conseguiu produzir conteúdos de tal qualidade que, me atrevo a dizer, não terão similares neste século, especialmente porque estamos fortemente afetados pela artificialidade digital em detrimento do essencial orgânico.

Uma das trincheiras desse duelo foi a Música Popular Brasileira, que produziu pérolas durante este período e é ela que vamos reverenciar neste texto.

Anos 60

Os anos 60 foram anos de forte agitação musical no Brasil. E não poderia ser de outra forma, pois já em 1964 a Ditadura Militar se instalou no país, a pretexto de conter o comunismo que se alastrava por outras regiões do mundo.

Começava uma violenta repressão, que culminou com prisões e mortes. A década marcou os primeiros acordes da Bossa Nova e da Jovem Guarda de Roberto Carlos, que “mandava tudo para o inferno”, enquanto Celly Campello estava louca por um “Banho de Lua”. Adoniran Barbosa anunciava o “Trem das Onze”, Noite Ilustrada queria dar a “Volta por cima”, Elis Regina cantava o “Arrastão” e Milton Nascimento fazia a “Travessia”, na mesma época em que Chico Buarque viu a “Banda” passar e, Tom Jobim e Vinicius de Morais se apaixonaram pela “Garota de Ipanema”.

A censura transformou poesia em deboche. Nasceu a Tropicália de Gilberto Gil e Caetano Veloso. A vitrine eram os festivais de música, que agitavam o público ao vivo no auditório e na TV. “Domingo no Parque” de Gil e “Alegria, Alegria” de Caetano foram grandes sucessos daquela época.

Anos 70

O frenesi cultural continuou nos anos 70, marcado pelos “Dancing Days” das Frenéticas, o rock inigualável de uma garota magrinha e sardenta chamada Rita Lee, que ganhou as paradas de sucesso com “Agora só falta você” e o “Maluco Beleza” do Raul Seixas, que inseriu a irreverência poética na MPB.

Tudo junto e misturado com o balanço das canções de Tim Maia e a consagração de Elis cantando músicas inesquecíveis, entre elas “Como nossos pais” de Belchior e “O bêbado e o equilibrista” de João Bosco e Aldir Blanc. Na trincheira política, a música que marcou a década foi Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, gravada por Chico e Milton Nascimento.

A canção traduziu com vigor a luta e o protesto contra a Ditadura Militar, que calou milhares de vozes num dos períodos mais duros da repressão. Mas foi Tom Jobim que pintou as cores mais lindas da década nos versos de “Águas de Março”, que termina assim: “São as águas de março fechando o verão | É a promessa de vida no teu coração”. Lembrando que foi em 31 de março de 1964 que os militares tomaram o poder no no Brasil.

Anos 80

A década de 80 marcou o fim da Ditadura, duramente impactada pelo movimento Diretas Já, que mobilizou o Brasil em favor da democracia. Líderes políticos progressistas e artistas se mobilizaram de 1983 a 1984, pedindo o fim da Ditadura e a realização de eleições diretas para Presidente da República.

Em 1985, depois de um duro embate político, Tancredo Neves é eleito indiretamente presidente, mas não assume. Adoece e morre. Quem assume é José Sarney e começa a redemocratização do Brasil. Paralelo à política, a MPB seguiu firme e forte. Este período foi considerado “a era de ouro do rock nacional”.

As bandas tomaram conta da cena musical com Titãs, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho de Cazuza e companhia, entre outros. O rock também deu seu grito de protesto com Legião Urbana, que perguntava “Que país é este?” e Cazuza que procurava uma “Ideologia” pra viver, enquanto Caetano Veloso descrevia os “Podres Poderes”.

Ícones da MPB como Chico, Gil, Caetano, Milton, Gal, Bethânia, Simone, Ivan Lins, todos na faixa dos 70 ou 80 anos, ainda estão na ativa, nos encantando com seu talento.

Como é bom resgatar de vez em quando o repertório desses gênios da música brasileira. Gente comprometida com sua arte, com os destinos do país e com a defesa da liberdade. Se hoje estamos aqui nos manifestando livremente, defendendo ideias e ideais, é porque eles fizeram a sua parte como porta-vozes da democracia. #Vamoscantarjuntos!

Ricardo Mucci é jornalista e palestrante. Arquiteto de inovações de impacto socioeconômico. Ajudo a repensar a longevidade e a maturidade moderna. Ricardomucci.com

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